Já aqui tenho abordado esta
matéria mas a sua gravidade justifica retomá-la. Foi apresentado em Lisboa o relatório
Portugal - Saúde Mental em Números 2015.
Dois dos indicadores abordados no
que respeita à saúde mental dos mais novos merecem uma reflexão que, aliás, já
por aqui tenho procurado realizar.
Um primeiro aspecto e que,
lamentavelmente, tem constado regularmente nestes relatórios anuais prende-se
com a ausência inaceitável de camas no SNS para episódios de urgência para
crianças e adolescentes no âmbito da saúde mental. Esta recorrente situação
leva a que quando necessário crianças e jovens sejam internados nos serviços de
pediatria geral ou nos serviços de psiquiatria para adultos. Qualquer das
situações é manifestamente inadequada.
Um segundo dado remete para o
volume significativo de casos de comportamentos auto-agressivos, automutilaçõese tentativas de suicídio. Dos 1500 episódios de urgência no Hospital de D.
Estefânia em 2015, 20% envolveram situações desta natureza.
Sobre esta questão com que muitos
adolescentes e famílias se debatem e causadoras de enorme sofrimento para todos
recordo que o estudo A Saúde dos adolescentes Portugueses, de 2014 e integrado no
estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da
responsabilidade da OMS, coordenado em Portugal pela excelente equipa da
Professora Margarida Gaspar de Matos, sugeria que um em cada seis alunos entre
o 8º e o 10º ano já se magoou a si próprio, de propósito, nos últimos 12 meses,
sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga... Referiram que se
sentiam “tristes”, “fartos”, “desiludidos” quando o fizeram.
Este indicador subiu quase cinco
pontos percentuais face ao Relatório de quatro anos antes.
Na verdade, os comportamentos de
automutilação em adolescentes são mais frequentes e graves do que muitas vezes
pensamos. Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população
em idade escolar com este tipo de comportamento pelo que os dados que se
encontram em Portugal são, de facto, preocupantes.
Este quadro é um indicador do
mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não
conseguimos estar suficientemente atentos. Acontecem com alguma frequência
situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas,
bullying por exemplo nas suas diferentes formas, ou relações degradadas em
família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de
suporte social, facilitadoras de comportamentos auto-destrutivos.
Começa também a emergir como
causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem
em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são
frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição
que por vezes se instala.
O sofrimento e mal-estar induzem
uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si
próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de
perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também
extraordinariamente significativos.
Depois das ocorrências torna-se
sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e
adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes,
não damos atenção, seja em casa, ou na escola espaço onde passam boa parte do
seu tempo.
De facto em muitos casos,
designadamente, em comportamentos de automutilação, pode ser possível perceber
sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não
devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e
professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com
este tipo de situações.
Muitos pais, diz-me a
experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda
por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado pode ser trágico e
obriga-nos a nós a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos
adolescentes.
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