O mais inquietante é que casos
como o que hoje se divulga na Câmara de Oeiras já não nos conseguem surpreender.
Estes comportamentos fazem parte do habitual funcionamento da nossa comunidade.
De facto, nos mais variados
sectores o recurso à “borla”, ao “jeitinho”, ao “eh pá um gajo tem que se
safar”, um “favorzinho”, uma “palavrinha” que facilita o negócio ou o
procedimento, etc., etc., são uma constante.
É uma questão de escala.
Do BPN/SLN ao BPP e ao BES, dos
gestores e do mau uso de dinheiros públicos, das PPPs ruinosas para os
contribuintes e uma mina para o investimento privado, das negociatas e tráfico
de influências e amiguismo, do enriquecimento sem justificação, do ex-Primeiro-ministro
que não sabia que deveria fazer descontos para a Segurança Social e envolvido
em manhosas tecnoformices com a ajuda de “Dr.” da “mula ruça”, do
ex-Primeiro-ministro acusado de corrupção, do cartel presente em várias áreas,
dos jobs for “the boys and girls” com o cartão certo, da falsa baixa médica,
enfim, de tudo o que lamentavelmente conhecemos se conclui que é apenas umas
questão de escala, entre os cêntimos e os milhões, muitos milhões.
Trata-se, pois, de um comportamento
generalizado e com o qual, do meu ponto de vista, parecemos ter uma relação
ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos
que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma
"atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre
“desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, também não
acreditamos que exista verdadeira vontade política de combater algumas das
dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo. Veja-se, por exemplo,
o que tem sido na Assembleia da República a narrativa no sentido de legislar
sobre o enriquecimento ilícito.
A teia de interesses que ao longo
de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública,
central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e
segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso
funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança
cultural nesta matéria.
Este combate passará,
naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela
formação cívica que promova uma outra cidadania.
Acontece que, também por aqui não
vai ser fácil, a formação cívica desapareceu dos conteúdos curriculares
obrigatórios. Já não precisamos, entenderam na 5 de Outubro, temos formação
cívica que chegue.
Certamente que poderíamos viver
sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.
Sem comentários:
Enviar um comentário