No Público abordam-se os dados
divulgados pelo ME relativos aos alunos com NEE o nosso sistema educativo. É
evidenciado o aumento do número global de alunos referenciados como tendo necessidades
educativas especiais e o facto de que os rapazes considerados com NEE são em número bastante superior
ao das raparigas.
No que diz respeito ao género, a situação
reflecte o que se passa noutros contextos educativos, cito, “SEN is more prevalent in boys Across all
age groups and school types: 19.2% of boys are SEN without statements compared
to 11.4% for girls. This is down from last year when 20.2% of boys and 12.1% of
girls had SEN without statements. 4.0% of boys have statements of SEN compared
to 1.6% for girls. This remains unchanged from last year”. Dados relativos a Inglaterra em Janeiro
de 2014.
Para além de outras razões é de
considerar, por exemplo, que entre os rapazes é mais frequente a existência de
problemáticas de natureza social, emocional e comportamental que se reflectem,
evidentemente, no número de casos identificados.
No entanto, a questão do aumento
do número de alunos referenciados merece umas notas. Porque me parecem actuais, vou usar algumas das
considerações que divulguei em texto no Público há alguns meses e relativo aos dados de 14/15
que eram substancialmente superiores a 10/11 o termo de comparação usado.
Uma primeira ideia para afirmar que o número de alunos apoiados em anos anteriores estavam bem mais longe das
necessidades do que actualmente se encontram.
De facto, por efeito de filtros
de uma natureza discutível na disponibilização de apoios e recursos a alunos
que evidenciam dificuldades, o número de alunos com apoio era muito menor do
que o número de alunos que necessitavam e das estimativas de necessidades com
base em critérios internacionalmente aceites. Esta recorrente situação tem sido objecto de análise quer pela Inspecção-Geral de Educação, quer pelo Conselho
Nacional de Educação
Neste cenário, por pressão dos
professores e pais confrontados com muitos alunos a necessitar de ajuda começou
a verificar-se progressivamente que, mesmo com os normativos desfavoráveis que
filtravam o acesso a apoios, as escolas foram tentando com os recursos
disponíveis providenciar algum tipo de ajuda o que contribui para esta subida
fortíssima de alunos com NEE em apoio nas escolas portuguesas.
No entanto, este aumento não
significa, evidentemente, uma alteração com o mesmo grau de significado no padrão
e quadros de necessidades dos alunos no que se refere, sublinho, a situações de
NEE apesar da confusa e pouco sólida definição e conceitos que os normativos
utilizam. A estranha diferença entre o carácter permanente ou “transitório(!)”
das NEE que um aluno possa evidenciar é apenas um exemplo. É também neste entendimento
que julgo poder olhar-se para os dados agora divulgados.
Por outro lado, um sistema
educativo que tem vindo a tornar-se cada vez mais “normalizado” (currículos
extensos, prescritivos, assentes em centenas de metas curriculares por
disciplinas), competitivo, selectivo (“darwinista”), assente em filtros
sucessivos, os exames, os rankings, os incentivos às escolas com
sobrevalorização da avaliação externa dos alunos, etc. acaba, necessariamente,
por se tornar incapaz de acomodar as diferenças entre os alunos, nem sequer estou
a falar de NEE, e induz um aumento do número de alunos que podem sentir
dificuldade em acompanhar o “ritmo” do trabalho.
Mais uma vez, por inexistência de
recursos de outra natureza, muitas escolas providenciam alguns apoios a esta
franja de alunos através dos dispositivos de educação especial o que também
contribui para o aumento do número de alunos apoiados considerados como
apresentando NEE.
Tudo isto considerado surge o que
considero a questão central, que apoios e recursos estão a ser disponibilizados
a alunos, professores e pais? Serão suficientes, quer em docentes (apesar do
aumento verificado), técnicos (número de psicólogos baixou) ou assistentes
operacionais? Serão adequados? Contribuem para o sucesso real dos alunos
considerando todas as suas capacidades e competências? São informadas por
princípios de educação inclusiva cujo critério fundamental é a participação,
tanto quanto possível, nas actividades comuns das comunidades escolares?
Gostava de ser mais optimista mas
apesar do esforço notável da generalidade das direcções escolares, dos
professores, técnicos e assistentes, da existência de práticas e experiências
de excelente nível, a realidade está aquém do que seria desejável.
Sucessivos Relatórios da
Inspecção-Geral de Educação e do Conselho Nacional de Educação, a que já aludi,
mostram enormes insuficiências e necessidades. Desde legislação não cumprida,
por exemplo, no que se refere ao número de alunos com NEE por turma, a
colocação tardia e insuficiente de professores, a inexistência de técnicos e
assistentes operacionais de acordo com o necessário, um discutível modelo de
articulação entre escolas e Centros de Recursos para a Inclusão que por falta
de regulação dá cobertura tanto a boas práticas como a experiências que de
inclusão e qualidade têm pouco, etc. a realidade é, de facto, preocupante.
Assim, a inquietação de
professores e pais é como responder de forma adequada e exigente, sim devemos
ser exigentes, às necessidades e dificuldades educativas ou escolares de todos
os alunos que em qualquer circunstância as possam evidenciar, independentemente
da sua natureza. Aliás, a necessidade de uma avaliação educativa sólida e
competente das reais necessidades ou dificuldades é o primeiro passo para uma
resposta adequada.
Simplificando, teremos de
escolher um caminho.
Primeiro caminho. Enviam-se para
fora da escola regular pública os alunos que mais dificuldades colocam e
apresentam, sobretudo adolescentes e jovens, (os dados deste ano mostram esse
aumento) retornando às instituições, por exemplo, às quais se garante uns
apoios, a diminuir evidentemente, para que por lá mantenham esses alunos.
Nega-se de forma irresponsável e administrativa
as suas dificuldades ou a condição de alunos com necessidades especiais,
"normalizam-se" e passam a ser tratados como todos os outros alunos e
espera-se que a selecção e a iniciativa das famílias leve os meninos que
atrapalham para fora da sala de aula, primeiro, e para fora da escola, depois.
Agrupam-se os alunos por tipo ou
grau de dificuldades em espaços curriculares ou físicos, dentro ou fora das
escolas, que os remetem para baixos ou inexistentes níveis de participação nas
actividades das comunidades educativas a que por direito pertencem, ficando,
assim, mais “entregados” que “integrados”
Segundo caminho. O sistema vai
sendo dotado de forma empenhada e consistente dos apoios e recursos necessários
a um efectivo e exigente apoio às dificuldades e necessidades de todas as
crianças e adolescentes e a resposta é estruturada, tanto quanto possível, num
cenário de participação, envolvimento e pertença nas e às comunidades
educativas de que que fazem parte.
Do meu ponto de vista a escolha é
clara. Na verdade, a educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem
de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos pelo que devem ser
assumidas através das políticas e discutidas, evidentemente, na sua forma de
operacionalizar.
Sem comentários:
Enviar um comentário