No Público encontra-se a
referência a um trabalho que merece ser divulgado. Um grupo de Professores de História da Escola Secundária D. João II em Setúbal desenvolveu com os alunos do 9 º ano um trabalho com base em entrevistas que realizaram aos seus avós sobre a escola desse tempo. O trabalho deu origem ao livro “No Tempo da Escola das Nossas Avós” (edição da Estuário Publicações).
Merece registo e divulgação a
iniciativa, os seus conteúdos e o seu resultado num tempo em que a escola está
permanentemente sob escrutínio.
A este propósito e dada a minha
avozice deixem que vos dê também um testemunho com notas que já por aqui têm
passado sobre a minha escola, a escola daquele tempo.
A escola que havia lá para trás
no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por
lá andava era, naturalmente, triste. Devo, no entanto dizer, que também nos
divertimos, alguns achavam até que nos divertíamos demais.
As pessoas que mandavam na escola
estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem
pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo
os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as
pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os
professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para
trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem
todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo,
ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
E na escola do meu tempo os
rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um
só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo
levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo
ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que
fosse.
E na escola do meu tempo eu era
“obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo
aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e
dos filhos.
E na escola do meu tempo não
aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o
campo”. Aliás, muitas crianças não cabiam na escola, eram diferentes, tão diferentes que nem precisavam de escola, diziam.
E na escola do meu tempo não se
falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal
cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não
falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que
muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram
porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente
naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me
dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, cada vez mais embora com
outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo
não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para
trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola
hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que o meu
neto e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para
trás no tempo.
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