Considerando o elucidativo trabalho do Público sobre os manuais escolares e dada a sua pertinência recupero umas notas que também foram publicadas no jornal há alguns dias.
Falta pouco para começar a
romaria das famílias às papelarias e agora também às grandes superfícies
comerciais para a compra dos manuais escolares. No ano passado assisti na
papelaria do meu bairro a um diálogo de que reproduzo o essencial o mais
fielmente possível.
Bom dia, queria encomendar os livros para a escola.
Sim senhora, é desta escola aqui?
Sim.
De que ano?
Do 8º.
Vou tomar nota. Quer os livros todos?
Sim, parece que são precisos todos, é muito dinheiro. Mas não quero os
CDs.
Não quer os CDs?
Não, não servem para nada, só para gastar dinheiro. O ano passado
comprei os CDs e a minha filha disse que não foram usados. Este ano não os
compro.
...
De facto, a questão dos manuais
escolares é uma matéria importante e não só pelos custos para as famílias.
Apesar do meritório esforço do Movimento pela Reutilização dos Livros Escolares
com a criação de uma rede muito significativa de bancos de troca de manuais
escolares e das iniciativas dispersas de outras entidades ou autarquias continuo
a pensar que esta questão merecia ser repensada.
Do meu ponto de vista,
verifica-se um excesso de "manualização" do trabalho dos alunos,
potenciado com o aumento do número de alunos por turma e pelo modelo de
currículos assente nas metas curriculares, não porque existem mas pela forma
excessiva e inadequada como foram definidas. Acresce ainda a rápida e incoerente mudança de
currículos ou dos manuais aprovados nas escolas e agrupamentos que também
obrigam à substituição de manuais.
Tal situação tem óbvias
implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos
orçamentos familiares.
Recordo que no quadro
constitucional vigente, lê-se no Art.º 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o
ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
Na verdade, o ensino obrigatório
nunca foi gratuito nem universal, vejam-se as taxas de abandono, e os custos
incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num cenário
em que a acção social escolar é insuficiente e tem vindo a promover sucessivos
ajustamentos nos valores e critérios de apoio disponibilizados. No universo
particular das famílias com crianças com necessidades especiais os custos da
escolaridade obrigatória e gratuita são ainda mais elevados, bem mais elevados.
Voltando aos manuais, apesar da
progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de
acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a
utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada
por pais e alunos.
De facto, embora o abandono do
“livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda
pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e dos
materiais de apoios que lhes está associado, cadernos de exercícios e fichas,
cadernos de actividades, materiais de exploração, CDs, etc., etc., que
submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes
materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares.
Em muitas salas de aula, também
pela natureza da estrutura e conteúdos curriculares e do estabelecimento das metas
curriculares nos termos em que o foram, corre-se o risco de substituir a
“ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do
trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor tenderá a ser, sobretudo,
orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas
mochilas.
Creio que a redução da
dependência dos manuais passaria, entre outros aspectos, por uma reorganização
curricular, diminuindo a extensão de alguns conteúdos, a redução do número de
alunos por turma ao abrigo de uma verdadeira autonomia das escolas, o que
permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de
conhecimentos com base noutras fontes incrementando, por exemplo, a
acessibilidade a conteúdos e informação diversificada que as novas tecnologias
oferecem.
É importante caminharmos no
sentido de atenuar a fórmula predominante, o professor ensina com base no
manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante
porque tem tudo o que professor ensina.
Julgo também que seria de
considerar a possibilidade dos manuais escolares serem disponibilizados pelas
escolas e devolvidos pelos alunos no final do ano lectivo ou da sua utilização,
sendo as famílias penalizadas pelo seu eventual dano ou extravio e ficando,
assim, com "folga" para aquisição de outros materiais, livros por
exemplo, um bem com pouca presença em muitos agregados familiares. Este modelo
não é novo, é usado em vários sistemas educativos.
Como é evidente, dentro desta
perspectiva, a própria concepção dos manuais deveria ser repensada no sentido
de permitir a sua reutilização.
Não esqueço, no entanto, o peso
económico deste mercado e como são os mercados que mandam ...
Mas num tempo em que, na minha
perspectiva, a escola pública e a sua qualidade estão sob ameaça e sendo
Portugal um dos países europeus com maior assimetria na distribuição da
riqueza, importa prevenir o risco acrescido de condições de insucesso escolar e
abandono com repercussões graves no acesso à qualificação, a base da mobilidade
social e do desenvolvimento.
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