Como já tenho referido, a doença mental é um daqueles não
assuntos, interessa a meia dúzia de pessoas, sobretudo familiares de pessoas
afectadas ou técnicos com intervenção na área. Talvez por isso mesmo, a saúde
mental é o parente pobre das políticas de saúde.
No entanto e apesar da falta de visibilidade habitual, o
Público dedica hoje um espaço importante e de reflexão obrigatória com o título
em cima.
Por ser extraordinariamente elucidativo, cito as primeiras
linhas do trabalho.
“Já não é sequer
notícia. A criação de residências específicas para pessoas com doença mental,
prevista no decreto-lei dos Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental
desde 2010, não saiu do papel. Maria João Neves, representante da Rede Nacional
de Pessoas com Experiência de Doença Mental, fala das consequências desta falta
de rede. Com reformas que rondam os 280 euros, as pessoas vêem-se obrigadas a
ficar em casa de familiares, mesmo quando estão sujeitos a situações de
violência. Perante a falta de soluções na comunidade, “resta aos médicos
sobremedicarem as pessoas para não andarem a chatear os familiares. Para não
andarem a chatear ninguém”.
Na verdade as pessoas com doença mental (sobre)vivem com um estigma
que lhes retira direitos e qualidade de vida, autonomia e autoregulação e por
falta de respostas comunitárias são sobremedicadas porque se andarem “sedadas”
não chateiam ninguém, familiares, vizinhos, comunidade, nós. São pessoas que, por assim dizer, voam sobre um ninho de cucos.
Mau demais para se ler sem se sentir um sobressalto de indignação.
Para além da indignidade desta situação e do atropelo a
direitos fundamentais das pessoas, gostava de referi uma outra situação da
mesma natureza mas envolvendo gente mais nova que muitos de nós conhecemos e
que muitos outros de nós fingimos que não conhecemos.
Deixem-me recordar que em Fevereiro de 2011 foi encerrada em
Lisboa uma creche ilegal que, “alegadamente”, dava calmantes aos miúdos que
deles não precisavam, tratava-se “apenas” de os ter mais calmos” e não “chatearem”.
Sabemos que Portugal, dados recentes comprovam-no, tem das
mais altas taxas de consumo de psicofármacos e de auto-medicação, é a cultura de
tomar “qualquer coisinha” que ajude a sossegar da vida e dos problemas que
enfrentamos.
Por outro lado e no que respeita aos miúdos, tem emergido
uma reconhecida prática de medicalização e sobrediagnóstico dos seus problemas.
É reconhecido no âmbito da intervenção dos profissionais de saúde de práticas
excessivas de prescrição de fármacos para “acalmar” as crianças.
Estamos a alimentar um processo de "ritalinização" de muitos
miúdos a quem, apressadamente e de forma excessivamente ligeira, é colocado um
rótulo de “dismiúdo”, ou seja, terá uma “dis”função qualquer, que justifica a
medicação, estou a lembrar-me, por exemplo, do aumento exponencial de crianças consideradas "hiperactivas” quando algumas estão bem longe de justificar o
rótulo e muito menos o diagnóstico.
Finalmente, uma nota sobre a minha convicção de que a
agitação das crianças de que se fala com muita frequência, mais não é, na
maioria dos casos, do que uma imagem reflexa da agitação dos adultos que as
rodeiam. Adultos agitados, embalam e sustentam crianças agitadas. Por isso, “de
facto”, talvez seja melhor tomar qualquer coisinha para ajudar a sossegar,
adultos e crianças.
Na verdade, não é preciso assistir a filmes de ficção
científica para perceber que uma sociedade de gente sedada é uma sociedade muito
mais “tranquila”, doente, infeliz, mas “tranquila”.