O I de hoje apresenta um trabalho
tão impressionante quanto acusador sobre o caso de uma adolescente da Margem
Sul vítima de episódios sucessivos de agressão sexual e física por parte de
colegas de escola sem que os diversos intervenientes e conhecedores do processo
tenham conseguido proteger a criança e os pais destes episódios. Para além dos
acontecimentos e como também acontece com frequência, em termos processuais, a adolescente foi
obrigada a relatar, recordar, vezes sem conta as experiências de que foi vítima
e aniquilaram a sua vida. Uma situação verdadeiramente dramática e que nos
interroga, onde é que estamos a falhar?
De há muito e a propósito de
várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários
dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação
no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da
criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida
de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade.
Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica
nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de
regulação para além de surgirem com alguma regularidade decisões
incompreensíveis em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a
situações conhecidas, a forma negligente como são muitas vezes referidos
fenómenos de bullying, etc.
Por outro lado, as condições de
funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer
um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em
circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm
responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que
transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial.
Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho
desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as
integram.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou
não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois
de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa
particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o
que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e
referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou
resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante
registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos
miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à
ausência de respostas.
A Carolina não nos vai perdoar
termos permitido o seu continuado sofrimento que ainda não terminou e que
certamente deixará marcas profundas.
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