Como dizia Camões o mundo é
composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.
Hoje passa o Dia da Espiga, como
nós dizíamos quando era pequeno para referir a Quinta-feira da Ascensão.
Acho que já muito pouca gente
repara no Dia da Espiga, como já nenhuns miúdos aparecem a pedir "Pão por
Deus" no 1º de Novembro, o Dia de Todos os Santos. Na verdade,
surpreendi-me porque no último ano bateu-me à porta um grupo e não era à conta
do Halloween, importação recente que se tornou moda, era mesmo a pedir Pão por
Deus. Fiquei contente.
Voltando ao Dia da Espiga e a
umas dezenas de anos atrás, na minha casa íamos sempre buscar a sorte
prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura
o meio de transporte familiar e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar
o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e
brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira.
Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para
oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar
como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído pelo novo ramo da
Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que
de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre
cumprida.
Nas novas qualidades que o mundo
vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se
houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Não sei se é
bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na
sorte.
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