sexta-feira, 16 de maio de 2014

A "ATENÇÃOZINHA" E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

"Ministério quer que presentes oferecidos a funcionários do SNS sejam doados"

O Ministério da Saúde tem em elaboração um novo código de ética para os profissionais por si tutelados.
Do que é conhecido, dois aspectos que parecem relevantes.
Em primeiro lugar, em vez de manter alguns limites e declaração obrigatória sobre ofertas acima de determinado valor que os médicos possam receber, sobretudo, no âmbito da sua actividade, designadamente, na relação com a indústria farmacêutica, o Ministério terá a intenção de impedir a qualquer funcionário a aceitação de uma "atençãozinha" qualquer que seja  a origem e o valor. A "atençãozinha" deverá ser canalizada para uma instituição social.
Como é evidente, parece haver necessidade de alguma regulação nestes procedimentos mas não é na lembrança que se leva o médico ou ao enfermeiro que nos tratou bem que se lesam os valores éticos. Um ramo de flores ou as velhas ofertas de uns ovos e uma galinha não corrompem alguém. O bom senso também parece estar a emigrar por falta de emprego por cá.
Mas preocupante mesmo será a possibilidade da proibição qualquer funcionário se pronunciar sobre o serviço que integra devendo "sigilo absoluto" relativamente ao exterior do local em que trabalham.
Lê-se que “os colaboradores e demais agentes devem abster-se de emitir declarações públicas, por sua iniciativa ou mediante solicitação de terceiros, nomeadamente quando possam pôr em causa a imagem do serviço ou organismo, em especial fazendo uso dos meios de comunicação social”.
Quem ajuíza sobre o que é "pôr em causa"? Deverá um funcionário do Ministério da Saúde submeter uma declaração sobre a sua instituição a um "exame prévio", eventualmente, sob a forma de "lápis azul""? Com que antecedência, a quem, de que forma? O que é uma declaração pública? Não poderá nunca pronunciar-se sobre a instituição onde desempenha funções?
Não, não estou a exagerar ou a caçar fantasmas. Estou apenas, como qualquer pessoa da minha geração facilmente fará, a recordar quando não podíamos produzir "declarações" sobre as nossas instituições e as consequências que daí poderiam advir, medo, desconfiança, ameaça, respeitinho, etc.  Em casos de declarações menos "simpáticas" poderíamos mesmo conseguir algumas sanções mais severas, por assim dizer.
Do meu ponto de vista, esta "reserva" face às declarações dos funcionários tem pouco a ver com ética, tem mais a ver com "liberdade de expressão".
Está a começar no Ministério da Saúde e, provavelmente, seguir-se-á o Ministério da Educação. Como sabem, existem muitos professores que produzem "declarações públicas" sobre as condições e dificuldades de natureza variada que sentem no funcionamento das suas escolas o que, evidentemente, é coisa que se não deve fazer, estraga o clima de "normalidade" que o MEC de vez em quando decreta sobre as escolas. Por outro lado, ainda é frequente, alunos ou pais, oferecerem algumas "lembranças" a professores como forma de reconhecimento. Este comportamento não passa, como é óbvio, de uma afronta ética e de uma forma de corrupção que importa combater e proibir.
Com um Ministro apaixonado por exames poderá ser instituído mais um, o "exame prévio" a declarações de professores e técnicos do MEC sobre as suas escolas ou serviços. E a educação melhora com toda a certeza.
Sopram ventos adversos.

4 comentários:

António Pedro Cunha disse...

Por impensável que possa ser este "código de """ética""" ", é curioso que nada me espanta ver os nossos actuais dirigentes produzir tal coisa.

Tentam, num mesmo documento, desacreditar os médicos (pois segundo esse documento devem ser extremamente influenciáveis e corruptos, para termos que chegar ao ponto de recolher todas as ofertas) e impedi-los de comentar o estado do seu próprio local (e ecossistema) de trabalho; uma coisa absurda.
É-me difícil articular uma frase que represente aquilo que sinto relativamente a esse documento, mas nojo, repulsa e irritação são bons começos.

Estamos a assistir a um momento negro na história do SNS. Quando os médicos e outros profissionais de saúde não puderem queixar-se das falhas dos seus serviços, quem o fará? Quem denunciará os podres que só se mostram aos olhos de quem trabalha no meio deles? Quem dará ouvidos aos utentes quando forem prejudicados? O Governo? O Ministério da Saúde? Duvido muito.

Pior ainda, como será quando isto se alargar ao próximo grande grupo, o grupo dos professores?

Este país...

Zé Morgado disse...

Não que seja surpeendente mas, na verdade, é preocupante

Anónimo disse...

Num dos melhores cursos de gestão do país defendes-se que o mellhora àrea para investir o dinheiro privado é na saude. Pena dos doentes e pessoas sem rendimento que se vão ter de sujeitar aos SNS nos próximos anos. Neste momento está nas piores condiçoes de recursos humanos e meios técnicos desde que foi criado. Portugal é dos países que menos percentagem do PIB é deidcado à saude. Façam as contas ao que resultou das fusões: custos e qts cirurgias e consultas e proximidade os doentes perderam.

Zé Morgado disse...

A saúde é um mercado em alta como estão a tentar que seja a educação