sexta-feira, 23 de maio de 2014

PROFESSORES. DESMOTIVAÇÃO, CANSAÇO E DESÂNIMO

"Quase dois terços dos professores admitem que a motivação para estar na escola diminuiu nos últimos anos"

Segundo um estudo coordenado pela Universidade do Minho, cerca de dois terços dos professores sentem a sua desmotivação profissional a crescer embora a maioria mantenha o empenho no trabalho com os alunos terços dos professores. Algumas notas.
Como já aqui tenho referido, o clima vivido nas escolas nos últimos anos, sobretudo a partir da passagem de Maria de Lourdes Rodrigues pela 5 de Outubro, tem vindo a degradar-se produzindo desânimo, desmotivação, cansaço e a saída antecipada de milhares de professores mesmo implicando a perda de condições económicas que, aliás, afectaram todos os docentes.
Uma primeira nota importante e de carácter genérico relativa ao desgaste da imagem social dos professores. Como muitas vezes tenho afirmado, os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela, anteriores ou actuais, algum do discurso produzido pelos próprios representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para uma desvalorização significativa da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, designadamente de alunos e pais. Este cenário não pode deixar de se repercutir no trabalho diário nas escolas.
Quando ouvimos discursos de professores, faço-o regularmente e não me refiro aos discursos previsíveis de dirigentes sindicais os testemunhos do clima vivido em muitas escolas pode ser sintetizado em duas palavras referidas sem ordem de importância, desesperança e indignação que resumem o ano agora a terminar e que tomaram conta das escolas nas palavras faladas, choradas, por muitos professores, estou a falar de Professores, não de "técnicos de educação" que sentem a dignidade atropelada.
Para além das ignorantes e demagógicas apreciações por parte de opinadores que por isso mesmo, ignorância e demagogia, ou por agendas implícitas, os últimos anos anos lectivos por questões decorrentes das PECs - Políticas Educativas em Curso criou-se um ambiente extraordinariamente pesado e pouco amigável para o bom trabalho de direcções, professores, funcionários, alunos e pais.
O arranque do ano lectivo e o inenarrável e arrastado processo de colocação de professores, com a definição dos descartáveis "horários zero", as incompetências, as injustiças conhecidas foi infernal.
O constante discurso ameaçador da dispensa dos docentes alicerçada numa demagógica utilização dos números da demografia, instalou um clima de apreensão e insegurança devastadores, com milhares de professores a ficar de fora e muitos outros a sentirem-se intimidados, não porque não sejam competentes, a maioria é, não porque não sejam necessários, muitos são, mas porque é preciso cortar, custe o que custar. A unidade de gestão do sistema educativo passou a ser a "hora docente" pelo que a política educativa se transformou num exercício contabilístico.
O aumento do número de alunos por turma criou turmas quase sempre lotadas ou mesmo sobrelotadas, professores com muitas turmas e centenas de alunos, sendo que alguns ainda se deslocam entre as várias escolas do agrupamento ou ainda uma reforma curricular que como preocupação central parece ter tido cortar nas necessidades de professores. Assustador.
Num trabalho ainda altamente burocratizado em que escasseiam apoios suficientes e competentes às dificuldades de professores e alunos, o país educativo transformou-se todo ele num imenso TEIP - Território Educativo em que se faz a Intervenção Possível.
O desencadear da extensão aos professores da mobilidade especial, chamada de requalificação, um insulto quando estamos a falar da classe profissional mais qualificada do país, as rescisões "amigáveis", a perda substantiva verificada no estatuto salarial, a expectativa sobre o aumento da carga horária, a deriva do MEC e os discursos de alguns responsáveis que afirmam algo e seu contrário com o maior despudor, são outros contributos para a indignação e desânimo que caracterizam o universo escolar destes dias de chumbo.
É verdade que Nuno Crato afirmou que os professores “têm a profissão mais linda do mundo” e ainda que ser professor “é um privilégio”, assente na possibilidade de transmitir saber às crianças.
Em muitas escolas, muitos professores, apesar dos imperativos ético-deontológicos, dificilmente sentirão o “privilégio” da profissão “mais linda do mundo”, lidam com um clima pouco positivo que compromete o seu trabalho de professores, o dos alunos, dos funcionários e dos pais e, no limite, o direito a uma educação pública de qualidade.
No entanto e apesar deste cenário, como o estudo refere, a maioria dos professores entra na sala de aula todos os dias, olha para os alunos e reinventa-se como Professor.
Ainda bem para nós e para os nossos miúdos.

2 comentários:

Ana disse...

No meio de todas estas verdades, talvez tivesse valido a pena destacar também os reflexos negativos do novo modelo de gestão das escolas, que colocou à frente dos seus destinos, como directores, figuras completamente comprometidas com o poder, quer local que contribui para a sua eleição em contexto de conselho geral, quer sobretudo ministerial que os avalia e pode (ou não) garantir-lhes um lugar ao sol duradouro.
Haverá excepções, não duvido, mas a generalidade dos directores, de forma aberta e inequívoca ou muito dissimulada, exerce o poder de modo déspota e absolutamente alinhado com os interesses do MEC, contribuindo de sobremaneira para o ambiente de desmotivação e suspeição vivido nas escolas.
Nunca vi tanto colega a pedir aos serviços administrativos para fazerem o cálculo da indemnização a receber por rescisão amigável como este ano! Infelizmente, depois a realidade dos números esmorece os ímpetos e todos vão ficando e resistindo, mas a sala de professores das escolas vai começando a impregnar aquele ambiente de sala de estar de um lar de terceira idade, com muitos silêncios e olhares pesados, o que não era nada costume.
(já somo quase 30 anos de observação!)

Zé Morgado disse...

Trata-sede uma boa descrição do clima em muitas escolas. A questão do modelo de direcção, com os riscos de que fala e são conhecdos, é apenas mais uma das que não falei por razões de espaço.