“Um cheque-ensino igual para todos poderia gerar algumas distorções no sistema”
Antes de mais uma nota para afirmar, de novo, que a existência de
um subsistema educativo de ensino privado é absolutamente necessário para, por
um lado permitir alguma liberdade de escolha, ainda que condicionada, por parte
das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do
ensino público. Também já tenho referido que a chamada liberdade de educação, a
escolha livre por parte dos pais dos estabelecimentos, públicos ou privados, em
que querem os seus filhos educados no modelo actual do nosso sistema educativo
é, do meu ponto de vista, um enorme equívoco.
A experiência do que têm sido noutros países tais práticas de liberalização e os seus efeitos, veja-se o trabalho sobre esta matéria elaborado por Paulo
Guinote, "Educação e Liberdade de Escolha", publicado pela Fundação
Francisco Manuel dos Santos, bem como o conhecimento dos territórios educativos
portugueses sugerem que na verdade se está num rumo de privatização da
educação transformando-a num serviço que as famílias compram de acordo com as
suas possibilidades económicas para os verdadeiros destinatários desse serviço,
os seus filhos.
No que respeita às escolas públicas, conheço muitas
situações de grande dificuldade ou mesmo impossibilidade de matrícula de uma
criança em diferentes escolas da mesma zona, situação que as mudanças actuais,
concentração de alunos em agrupamentos e mega-agrupamentos, estão a agravar e
que muitas famílias sentem.
Por outro lado, no que respeita ao cheque-ensino e a
liberdade de escolha dos pais, as experiências de vários países, sempre referidas,
assentam num princípio que quando se fala entre nós desta hipótese é sempre
esquecido, isto é, a obrigatoriedade (a questão central) de aceitar qualquer
criança. As propostas conhecidas sobre a implementação deste modelo não
contemplam evidentemente esta obrigatoriedade, talvez a proposta já não fosse
tão bem acolhida pela generalidade dos estabelecimentos de ensino. Acresce que
os estudos sobre os efeitos deste tipo de modalidades não são
conclusivos, longe disso como é possível verificar.
Na verdade, como todos sabemos, sem um carácter de
obrigatoriedade muitas instituições de ensino privado não receberão nunca
alguns alunos, independentemente de poderem ser financiados de formas
diferenciadas.
Não é uma questão económica, é uma questão de defender a
instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de excelência ou
a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam os do
"capital social" que detêm. A cultura mais generalizada entende os
estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são
profundamente selectivos na população que acolhem, aliás muitos pais
"compram" por assim dizer essa exclusividade.
Curiosamente mas sem surpresa, aos estabelecimentos de
ensino privado é concedida um nível de autonomia pedagógica e curricular
superior à escola pública que não pode ser apenas justificado por serem privados,
pois a autonomia é uma ferramenta de desenvolvimento da qualidade, também na
escola pública.
Insisto de há muito que a melhor forma de proteger a
liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade, autonomia e
exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim
teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.
No entanto, cada vez é mais claro que este não é o
entendimento de quem actualmente gere os destinos da educação em Portugal.
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