terça-feira, 6 de maio de 2014

3 ANOS DE EDUCAÇÃO TROIKADA. Umas notas de balanço

"Austeridade nas escolas teve o triplo da dose prevista"

Uma primeira nota para sublinhar e desejar que não seja esquecido num qualquer balanço a realizar sobre três anos de educação troikada que a generalidade das componentes da PEC - Política Educativa em Curso neste período, como em qualquer outro, aliás, são mais influenciadas pela visão e agenda política de quem gere o sistema do que decorrentes de políticas de austeridade e contenção económica apesar do seu impacto fortíssimo em muitos aspectos que adiante se referem.
Alguns exemplos, o reforço dos apoios ao ensino privado em nome de modelos e práticas longe se poderem considerar como uma opção de qualidade incontestável, a insistência obsessiva na instituição de exames como se estes, só por se realizarem, promovessem qualidade. É, evidentemente, imprescindível a avaliação interna e externa de resultados das aprendizagens, mas estes resultados são determinados, sobretudo, por avaliações e intervenções dirigidas aos processos. Ainda um outro exemplo referente à criação de uma prova de avaliação para professores à entrada na carreira, que não se dirige a todos os professores e que foi desenhada com um modelo e conteúdos insustentáveis.
Nesta perspectiva, reafirmar a dimensão política das opções, parece-me de recuperar a orientação produzida na WISE – World Innovation Summit for Education, realizada em 2012 em Doha no Qatar, identificando como eixo central de desenvolvimento, mesmo em tempos recessivos, o investimento na educação. Nestes três anos temos assistido ao trajecto contrário e o Documento de Estratégia Orçamental há dias divulgado aponta no mesmo sentido.
Com a argumentação da alteração da demografia escolar assistimos a uma diminuição enorme do número de professores no sistema. Acontece que, de acordo com os dados conhecidos, a diminuição de alunos, mais acentuada no 1º ciclo e não verificada no secundário devido à extensão da escolaridade obrigatória, o número de professores de saída não tem qualquer relação de proporcionalidade com a população discente, ou seja, saíram muito mais professores do que o número de alunos pode justificar. De forma mais específica consideremos alguns aspectos:
A continuidade de um movimento de encerramento de escolas que sendo ajustado em muitos contextos não apenas ser determinado por um critério administrativo;
A continuidade de uma política de criação de mega-agrupamentos  e centros escolares que, conjugada com uma insustentável decisão de aumentar o número de alunos por turma, leva a que mais alunos concentrados se integrem em turmas enormes, dispensando professores mas com um evidente risco de compromisso da qualidade do trabalho desenvolvido, é reconhecido e estudado o impacto do efectivo de escola e do efectivo de turma em realidades sociais e culturais como as dos nossos territórios educativos. Neste âmbito, a concentração de recursos, parece ainda comprometida a promoção de autonomia das escolas;
Alterações na organização curricular e dos tempos lectivas que não se constituindo como uma verdadeira e necessária reforma curricular, eliminação de áreas não curriculares, por exemplo, parecem desenhadas no sentido de dispensar professores;
Um outro impacto que me parece crítico prende-se com a diminuição do pessoal auxiliar, os assistentes operacionais, deixando muitos estabelecimentos em circunstâncias difíceis de funcionamento
Esta última referência prende-se também com uma outra área em que o impacto dos cortes orçamentais é significativo, a chamada educação especial. Também nesta dimensão se tem verificado sérios problemas decorrentes da falta de professores, técnicos e auxiliares que possam providenciar a crianças e jovens com necessidades educativas especiais um dos seus direitos fundamentais, o direito à educação de qualidade. Em algumas circunstâncias foi mesmo comprometido o cumprimento da legislação, por exemplo no que respeita à redução do número de alunos por turma quando se verifique a frequência de alunos com necessidades educativas especiais.
Merece ainda referência à suspensão ou atraso verificada nas obras de requalificação das escolas, a cargo da Parque Escolar, que motivam a existência ainda de alguns milhares de alunos que continuam a ter aulas em contentores e em condições pouco favoráveis à qualidade do seu trabalho e dos professores. Apesar dos excessos que aconteceram desde o início neste processo, necessário diga-se, de requalificação do parque escolar, importa que não se prolonguem condições de trabalho deploráveis.
Uma outra área do universo da educação em que se verificaram impactos fortes das políticas de austeridade é o ensino superior.
De facto, também no sub-sistema do ensino superior se verificou um desinvestimento envolvendo quer a formação, quer a investigação. São conhecidas as dificuldades de institutos politécnicos e universidades em manter condições aceitáveis de funcionamento devido aos cortes orçamentais. Tal situação tem sido objecto de tomadas de posição frequentes e muito assertivas por parte de reitores e presidentes de politécnicos. Na área crítica da investigação também foram decididos cortes substantivos, diminuindo o número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento com implicações severas no desenvolvimento científico e económico implicando como efeito a emigração de um nível significativo de jovens qualificados. O último ano foi particularmente pesado nestes aspectos.
Sintetizando, um olhar sobre estes últimos tempos da educação não pode deixar de nos causar alguma inquietação. Sabemos que a educação, a qualificação, é mais sólida ferramenta de construção de projectos de vida viáveis e sustentados e de promoção de mobilidade social.
Sendo certo que importa racionalizar custos e optimizar recursos, combatendo desperdício e ineficácia, o caminho que temos vindo a percorrer é justamente o contrário, o desinvestimento na educação, do básico ao superior com custos que o futuro se encarregará de evidenciar.
Está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
O empobrecimento e o desinvestimento em educação nunca poderão ser factores de desenvolvimento.
Sopram ventos adversos.

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