"Austeridade nas escolas teve o triplo da dose prevista"
Uma primeira nota para sublinhar
e desejar que não seja esquecido num qualquer balanço a realizar sobre três
anos de educação troikada que a generalidade das componentes da PEC - Política
Educativa em Curso neste período, como em qualquer outro, aliás, são mais
influenciadas pela visão e agenda política de quem gere o sistema do que
decorrentes de políticas de austeridade e contenção económica apesar do seu
impacto fortíssimo em muitos aspectos que adiante se referem.
Alguns exemplos, o reforço dos
apoios ao ensino privado em nome de modelos e práticas longe se poderem
considerar como uma opção de qualidade incontestável, a insistência obsessiva na
instituição de exames como se estes, só por se realizarem, promovessem
qualidade. É, evidentemente, imprescindível a avaliação interna e externa de
resultados das aprendizagens, mas estes resultados são determinados, sobretudo,
por avaliações e intervenções dirigidas aos processos. Ainda um outro exemplo
referente à criação de uma prova de avaliação para professores à entrada na
carreira, que não se dirige a todos os professores e que foi desenhada com um
modelo e conteúdos insustentáveis.
Nesta perspectiva, reafirmar a
dimensão política das opções, parece-me de recuperar a orientação produzida na WISE
– World Innovation Summit for Education, realizada em 2012 em Doha no Qatar, identificando
como eixo central de desenvolvimento, mesmo em tempos recessivos, o
investimento na educação. Nestes três anos temos assistido ao trajecto
contrário e o Documento de Estratégia Orçamental há dias divulgado aponta no
mesmo sentido.
Com a argumentação da alteração
da demografia escolar assistimos a uma diminuição enorme do número de
professores no sistema. Acontece que, de acordo com os dados conhecidos, a
diminuição de alunos, mais acentuada no 1º ciclo e não verificada no secundário
devido à extensão da escolaridade obrigatória, o número de professores de saída
não tem qualquer relação de proporcionalidade com a população discente, ou
seja, saíram muito mais professores do que o número de alunos pode justificar.
De forma mais específica consideremos alguns aspectos:
A continuidade de um movimento de
encerramento de escolas que sendo ajustado em muitos contextos não apenas ser
determinado por um critério administrativo;
A continuidade de uma política de
criação de mega-agrupamentos e centros
escolares que, conjugada com uma insustentável decisão de aumentar o número de
alunos por turma, leva a que mais alunos concentrados se integrem em turmas
enormes, dispensando professores mas com um evidente risco de compromisso da
qualidade do trabalho desenvolvido, é reconhecido e estudado o impacto do
efectivo de escola e do efectivo de turma em realidades sociais e culturais
como as dos nossos territórios educativos. Neste âmbito, a concentração de
recursos, parece ainda comprometida a promoção de autonomia das escolas;
Alterações na organização
curricular e dos tempos lectivas que não se constituindo como uma verdadeira e
necessária reforma curricular, eliminação de áreas não curriculares, por
exemplo, parecem desenhadas no sentido de dispensar professores;
Um outro impacto que me parece
crítico prende-se com a diminuição do pessoal auxiliar, os assistentes operacionais,
deixando muitos estabelecimentos em circunstâncias difíceis de funcionamento
Esta última referência prende-se
também com uma outra área em que o impacto dos cortes orçamentais é
significativo, a chamada educação especial. Também nesta dimensão se tem
verificado sérios problemas decorrentes da falta de professores, técnicos e
auxiliares que possam providenciar a crianças e jovens com necessidades
educativas especiais um dos seus direitos fundamentais, o direito à educação de
qualidade. Em algumas circunstâncias foi mesmo comprometido o cumprimento da
legislação, por exemplo no que respeita à redução do número de alunos por turma
quando se verifique a frequência de alunos com necessidades educativas
especiais.
Merece ainda referência à
suspensão ou atraso verificada nas obras de requalificação das escolas, a cargo
da Parque Escolar, que motivam a existência ainda de alguns milhares de alunos
que continuam a ter aulas em contentores e em condições pouco favoráveis à
qualidade do seu trabalho e dos professores. Apesar dos excessos que aconteceram
desde o início neste processo, necessário diga-se, de requalificação do parque
escolar, importa que não se prolonguem condições de trabalho deploráveis.
Uma outra área do universo da
educação em que se verificaram impactos fortes das políticas de austeridade é o
ensino superior.
De facto, também no sub-sistema
do ensino superior se verificou um desinvestimento envolvendo quer a formação,
quer a investigação. São conhecidas as dificuldades de institutos politécnicos
e universidades em manter condições aceitáveis de funcionamento devido aos
cortes orçamentais. Tal situação tem sido objecto de tomadas de posição
frequentes e muito assertivas por parte de reitores e presidentes de
politécnicos. Na área crítica da investigação também foram decididos cortes
substantivos, diminuindo o número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento
com implicações severas no desenvolvimento científico e económico implicando
como efeito a emigração de um nível significativo de jovens qualificados. O
último ano foi particularmente pesado nestes aspectos.
Sintetizando, um olhar sobre
estes últimos tempos da educação não pode deixar de nos causar alguma
inquietação. Sabemos que a educação, a qualificação, é mais sólida ferramenta
de construção de projectos de vida viáveis e sustentados e de promoção de
mobilidade social.
Sendo certo que importa
racionalizar custos e optimizar recursos, combatendo desperdício e ineficácia,
o caminho que temos vindo a percorrer é justamente o contrário, o
desinvestimento na educação, do básico ao superior com custos que o futuro se
encarregará de evidenciar.
Está estudada e reconhecida de há
muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e
o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e
produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas,
qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
O empobrecimento e o
desinvestimento em educação nunca poderão ser factores de desenvolvimento.
Sopram ventos adversos.
Sem comentários:
Enviar um comentário