No DN lê-se que o Ministério Público aceita cada vez com
mais frequência não levar a julgamento pessoas acusadas de violência doméstica
a troco do pagamento de multas. Estas situações, já cerca de um milhar, ocorrem
mesmo perante provas fortíssimas do crime cometido. Acresce que os acusados
conseguem ainda manter o cadastro limpo.
Talvez fosse de recordar que, de acordo com o Relatório
Anual de Segurança Interna relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram
em 2013 com excepção da violência doméstica com mais três vítimas mortais.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e
embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento
significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma
espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do
crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente
das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância relativizar-se-á à dificuldade de
prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de
muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece
ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do
ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla
violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a
crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro
lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice
de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando
mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador
entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente
configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de
impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância”
das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa
ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
A possibilidade “lavar” comportamentos graves, atentados
contra direitos fundamentais das pessoas, através de uma multa, com o bónus da manutenção do cadastro “limpo”,
também não me parece constituir a melhor forma de combater este sentimento de
impunidade.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a
existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições
de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um
sistema de justiça eficaz e célere e sem estes alçapões que nos fazem pensar se
é “justiça” ou uma fonte de rendimento, mais uma, para o Estado.
Sem comentários:
Enviar um comentário