sábado, 10 de maio de 2014

JUSTIÇA OU FONTE DE RENDIMENTO?


No DN lê-se que o Ministério Público aceita cada vez com mais frequência não levar a julgamento pessoas acusadas de violência doméstica a troco do pagamento de multas. Estas situações, já cerca de um milhar, ocorrem mesmo perante provas fortíssimas do crime cometido. Acresce que os acusados conseguem ainda manter o cadastro limpo.
Talvez fosse de recordar que, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram em 2013 com excepção da violência doméstica com mais três vítimas mortais.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância relativizar-se-á à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
A possibilidade “lavar” comportamentos graves, atentados contra direitos fundamentais das pessoas, através de uma multa, com o bónus da manutenção do cadastro “limpo”, também não me parece constituir a melhor forma de combater este sentimento de impunidade.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere e sem estes alçapões que nos fazem pensar se é “justiça” ou uma fonte de rendimento, mais uma, para o Estado.

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