sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O HOMEM QUE PERDEU QUALQUER COISA

Era uma vez um Homem que estava sentado num banco de jardim. Já não era novo e parecia com um ar triste e abatido. 
Era o único banco à sombra e nele se sentou uma Pessoa que se foi inquietando com a tristeza suspirada pelo Homem. Já preocupado interpelou-o com um neutro “Que tal vai a vida?” O Homem, como se apenas esperasse por um pretexto, falou, do fundo, “Perdi-a, agora perdia. Tantas vezes que esteve quase, agora perdi-a mesmo. Tanto que me ajudou, sempre comigo, no bonito e no feio, no leve e no pesado, na tristeza e na alegria e agora perdi-a. Veio comigo desde sempre, sempre ao meu lado, sempre um amparo que não falhava. Quando as coisas pareciam mal, lá vinha ela e o mundo já me parecia melhor. Uma vez, que ela quase se foi, foi um desespero. Mas ela voltou. Tínhamos as nossas zangas, mas sabe como é, quando somos mesmo amigos as zangas também passam. E agora, perdi-a definitivamente. Não sei como vou viver sem ela”.
A Pessoa já solidária, “E como se chamava a sua companheira perdida?”.
Paciência, disse o Homem.

NUNO CRATO E OS PASSES DE MÁGICA


Numa homenagem muito interessante ao Dia Mundial dos Mágicos que hoje se assinala, Nuno Crato volta ao Parlamento para apresentar, espera-se, uma versão melhorada do fantástico número de ilusionismo que tem vindo a praticar árduamente e que consiste em mostrar a uma interessada audiência como é que com menos dinheiro o investimento em ciência e em investigação é maior e como é que com menos bolsas de doutoramento e pós-doutoramento se incrementa a investigação. A performance tem evidenciado algumas falhas grosseiras, pelo que se aguarda com alguma expectativa nova apresentação.
Ao que se sabe, Nuno Crato tem também em preparação uma nova versão do número de ilusionismo chamado "As necessidades permanentes de Professores". Consta que este este número de uma elevada sofisticação assentará na manipulação de números com uma produção sofisticada, recorrendo a gráficos de enorme colorido e a nuvens de fumo de grande efeito visual. As primeiras apresentações não correram particularmente bem, mas espera-se que com o incentivo da Comissão Europeia, possam sair da "Cratola" uns milhares de lugares para professores descartáveis que, num extraordinário passe de mágica, serão recicláveis, como sempre foi a intenção do MEC, esta afirmação é a cereja em cima do bolo pela sua enorme carga teatral.
Palavras para quê, é um verdadeiro artista.

A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA

Afinal somos um povo que gosta de preservar as nossas tradições e cultura. Também somos dados aos amigos, gostamos de fazer ou pedir um jeitinho ou até mesmo arranjar um lugarzinho.
Por tradição e tal como eu estou a fazer, nestes assuntos gostamos de usar diminutivos, é mais empático e desculpabilizante, são assim coisas pequenas.
Próprias do Portugal dos pequeninos.
Poderíamos viver sem estas tradições ... mas não era a mesma coisa.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

AUTONOMIA DAS ESCOLAS OU MAIS UMA QUESTÃO ADMINISTRATIVA

autonomia  das escolas e agrupamentos é, reconhecidamente, uma ferramenta de desenvolvimento da sua qualidade, pois permite que os seus recursos, modelos de organização e funcionamento se ajustem às especificidades de contexto e, assim, melhor possam responder à população que servem, a toda a população, evidentemente, de acordo com as suas necessidades. A defesa da autonomia das escolas é parte da retórica de qualquer equipa que entre na 5 de Outubro. 
Na assinatura de mais 30 contratos de autonomia, Casanova de Almeida, Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, afirmou que "está a ser preparado um novo quadro legislativo para que, no próximo ano letivo, possa haver mais um degrau na autonomia das escolas" e assim "as escolas podem criar as suas próprias especificidades", adaptando os currículos "às regiões, ao contexto em que trabalham e aos alunos destinatários".
O que continuo com uma enorme dificuldade em entender é como é que esta retórica, que lembra o tão atacado “eduquês”, a que acrescento mais alguns exemplos extraídos dos textos dos novos programas, como "liberdade metodológica", "características das turmas e dos alunos", "autonomia dos professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna compatível com a definição de metas curriculares nos termos em que foi feita que, como exemplo, para Português e Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores estabelecendo o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos, caso do 1º ciclo.
O ensino tenderá a transformar-se na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos.
Há uns meses Casanova de Almeida também afirmou que "Um dos objectivos é que as escolas percebam que podem actuar de uma forma diferenciada, com muito mais flexibilidade, mesmo a nível curricular, quando estabelecem contratos de autonomia”. É interessante. Pode, aliás, perguntar-se se num sistema de ensino público a autonomia das escolas e as suas implicações positivas apenas devem ficar para as que estabeleçam contratos, sendo que as outras, utilizando a retórica do Secretário de Estado, não actuarão de forma diferenciada, não serão flexíveis, nem mesmo a nível curricular. Estranho, no mínimo.
Neste contexto o MEC tem vindo a assumir a estabelecer contratos de autonomia com escolas e agrupamentos, actualmente 212, que, no entanto, têm conteúdos e determinações que sustentam práticas que, apesar de algumas mudanças relativamente à situação das escolas sem contrato de autonomia, não autorizam que se possa verdadeiramente falar de autonomia.
Um dirigente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares afirmava há meses que embora se refira nos contratos, entre outros conteúdos, que as escolas podem organizar os horários e constituir turmas com autonomia, também se acrescenta que deverão respeitar legislação e regulamentos em vigor. E a autonomia em matéria curricular? Em que ficamos? Por outro lado, segundo o mesmo Director, frequentemente as orientações do MEC não diferenciam as escolas, aplicam-se a todas, ou seja, não respeitam a sua autonomia.
Acresce a este cenário que a maior flexibilidade que se verifica na contratação de docentes no âmbito dos contratos não é operacional. Há algum tempo, de uma forma despudorada, Nuno Crato considerou uma questão administrativa o facto de as turmas que integram alunos com necessidades especiais terem um número de alunos acima do determinado legalmente, pois como eles estão pouco tempo com os colegas é como se não pertencessem à turma.
Temo que o MEC tenha o mesmo entendimento sobre a autonomia, que seja também uma questão administrativa, coloca-se um qualquer texto num contrato a que se chama de autonomia e as escolas funcionam como as outras na lógica de normalização tão preponderante em toda a PEC - Política Educativa em Curso.
Tudo dentro da normalidade, evidentemente.

A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS. Algumas notas

Foi ontem divulgado pelo MEC o relatório sobre Segurança na Escolas no qual se constata a redução do número de episódios reportados. Alguns dados, em 2008/2009 registaram-se  3525 ocorrências, em 2011/2012 esse número desceu para 2218 e para 1446 em 2012/2013. Os casos mais frequentes são os actos contra a liberdade e a integridade física das pessoas, 1577 em 2008/2009 para 1074 em 2011/2012 e 726 em 2012/2013. 94% das escolas não participou qualquer ocorrência em 2011/2012, percentagem que subiu para 95,5% em 2012/2013.
Apesar da redução dos casos de violência escolar registados, importa não esquecer que existem inúmeros casos não reportados, pelo que este tipo de fenómeno requer permanente atenção até porque a concentração de alunos e o aumento do número de alunos por turma potencia a emergência de situações desta natureza. Algumas notas repescadas sobre esta matéria, suficientemente complexa para que sejam tantas as dúvidas quantas as certezas, muitas.
Em primeiro lugar uma referência à função professor. A imagem social dos professores tem estado sob pressão continuada e com riscos de sofrer uma erosão significativa. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, alguns dos discursos dos lideres sindicais e as afirmações ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores, por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Importa pois, muitas vezes o refiro caminhar no sentido do reforço da imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir. Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escolas e agrupamentos, pais, professores e alunos.
A segunda nota remete para a instituição escola. Em primeiro lugar, a escola é, será sempre, um reflexo do contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência, em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem, responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.
Um segundo aspecto prende-se com o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência escolar estão associados, não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto de que nas escolas devem ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Uma outra questão ainda dentro da instituição escola, prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, a sala de aula parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.
Em muitas escolas a insuficiência de pessoal auxiliar não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão que me parece desejável.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A SINISTRA PROVA AINDA MEXE


O Ministério da Examinação e da ex-Ciência está a proceder à devolução da quantia paga pelos professores que se inscreveram na sinistra Prova, dita, de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, mas que acabaram por dela ser dispensados devido ao manhoso acordo entre algumas estruturas sindicais e o MEC.
Estará ainda por contabilizar o montante devido por danos morais e ético-deontológicos causados aos professores que tiveram (terão?) de se submeter à humilhante realização de tão sinistra criação, a Prova.

PRAXES ACADÉMICAS, PROIBIÇÃO OU REGULAÇÃO

"Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo a anunciada iniciativa de regulação que envolverá diferentes academias.
Parece-me ainda importante que este movimento de regulação integre com clareza e solidez o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada, seja numa posição favorável ou desfavorável.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto.
A minha experiência como aluno  universitário, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar.
Provavelmente, advém daí a minha reserva."

Nota - Excerto de  texto anterior sobre esta questão.

A HISTÓRIA DO MIÚDO DOS DESATINOS

Era uma vez um rapaz, pequeno, daqueles que agora inventaram que só faz o que quer, quando quer e onde quer.
Como é natural, os pais volta e meia ficavam embaraçados com os desatinos do gaiato. Em casa ainda vá que não vá, estavam sós e ninguém reparava. Mas fora de casa o rapaz parecia que fazia de propósito arranjando confusão e fazendo disparates nas situações mais inconvenientes.
Um dia, estava a mãe a passear com o rapaz no jardim e ele, como de costume, corria atrás dos pombos, interrompia brincadeiras doutros miúdos, atirava pedras aos patos do lago e o mais que a sua imaginação sugeria. A mãe, envergonhada, assistia discretamente e, apesar da inutilidade, de vez em quando chamava-o. Um Velho que passava, reparou na cena e dirigiu-se à mãe, “menino traquinas o seu não é?”. “Nem me fale, não faço nada dele”. O Velho ficou mais uns minutos a pensar o rapaz e disse à mãe que, querendo ela, no dia a seguir lhe daria algo que talvez ajudasse. A mãe, apesar de desconfiada, disse que viria.
Quando chegou, o Velho deu-lhe uma caixa e disse-lhe para que, sempre que o rapaz fosse começar uma das suas travessuras, ela lhe desse a mão com muita força, lhe oferecesse uma daquelas coisas que estava na caixa e lhe contasse uma história. Quando a mãe abriu a caixa apenas encontrou folhas de papel que tinham escrito com uma letra muito bonita Gosto muito de ti mas NÃO PERMITO que faças isso”.

VIDAS MALPARADAS

Um dos efeitos mais devastadores  da crise que temos vindo a sofrer foi o aumento exponencial de famílias endividadas. Assim sendo, parece importante a iniciativa da  Confederação Nacional das Associações de Família e do Centro de Apoio ao Endividado de criar uma rede de assistência, a nível nacional, de apoio a famílias endividadas para que possam elaborar planos de reestruturação sustentados que minimizem o risco de implosão que atingiu milhares de famílias.
Dados disponibilizados pela DECO elucidam o aumento brutal do número de famílias endividades bem como o dos casos de falência de singulares, as famílias. Estas situações devastadoras para milhares de agregados familiares, decorrem também, fundamentalmente, de desemprego, degradação das condições laborais e doença.
Ainda de acordo com a DECO, as famílias em incumprimento ou risco dessa situação que recorrem à Associação evidenciam, frequentemente, uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências.
A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Apesar do peso brutal que a crise económica, sobretudo o desemprego ou o abaixamento dos rendimentos do trabalho, parece-me de considerar também o peso dos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem e que merecem reflexão.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida, mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento dos filhos, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora também se conheçam situações de recurso ao crédito para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorriam, fomentando e incentivando créditos manifestamente pouco sustentados e com uma ligeireza inaceitável. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

DOENÇA MENTAL, PARENTE POBRE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE


De acordo com o relatório "Portugal Saúde Mental em Números 2013", só 16,2% das pessoas com perturbações mentais ligeiras e 33,8% das que sofrem de perturbações moderadas recebem tratamento em Portugal. O Relatório sublinha a situação particularmente grave da falta de estruturas vocacionadas para adolescentes e jovens que são frequentemente acolhidos em estruturas vocacionadas para adultos.
Por outro lado, Portugal apresenta a prevalência mais elevada de perturbações mentais (22,9%) dos oito países da Europa que integraram o estudo integrado no World Mental Health Survey Initiative, da OMS, realizado em 2010.
Acresce que, consta do mesmo relatório, existe suporte na investigação para se poder correlacionar a taxa de prevalência de doenças mentais com os níveis de desigualdades sociais e de saúde, aliás, regista-se um aumento da procura de consultas por pessoas em situações fragilizadas no quadro de desemprego e dificuldades económicas.
Sendo certo que não poderemos estabelecer de forma ligeira uma relação causal entre a saúde mental e as condições de vida, é também claro que não podem dissociar-se, numa linguagem simples, alguém que passa mal, dificilmente se sentirá bem.
Em muitas famílias, as dificuldades podem ser tão significativas, o desemprego do casal, por exemplo, que a desesperança instalada se constitua como gatilho para situações de mal-estar e o recurso a consultas, fármacos, consumo de álcool ou droga, ou ainda em caso limite à tentação do suicídio, uma preocupação que originou um Plano de Prevenção a operacionalizar, podem aparecer como uma via que se não deseja mas a que não se resiste. Acresce a este cenário o envelhecimento acentuado da população e a degradação das condições de vida dos idosos que potenciam os efeitos dos seus quadros clínicos e a incapacidade das famílias os acolherem.
Na verdade, a resiliência das pessoas tem limites.
Por outro lado, apesar de querer ser optimista a experiência tem mostrado que a doença mental é, nas mais das vezes, um parente pobre no universo das políticas de saúde. Quando a pobreza das pessoas aumenta e a pobreza dos meios e recursos também aumenta, o quadro é ainda mais grave.

UM PROBLEMA SOCIAL


A propósito, pedi letras e sons emprestados a Seu Jorge e Ana Carolina.

Se eu pudesse eu dava um toque em meu destino
Não seria um peregrino nesse imenso mundo cão
E nem o bom menino que vendeu limão
E trabalhou na feira pra comprar seu pão
Não aprendia as maldades que essa vida tem
Mataria a minha fome sem ter que roubar ninguém
Juro que eu não conhecia a famosa Funabem
Onde foi a minha morada desde os tempos de neném
É ruim acordar de madrugada pra vender bala no trem
Se eu pudesse eu tocava em meu destino
Hoje eu seria alguém
Seria eu um intelectual
Mas como não tive chance de ter estudado em colégio legal
Muitos me chamam pivete
Mas poucos me deram um apoio moral
Se eu pudesse eu não seria um problema social



terça-feira, 28 de janeiro de 2014

FAÇAM O QUE EU DIGO ... NÃO FAÇAM O QUE EU FAÇO


O Presidente não executivo do Grupo Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, afirmou em Setembro de 2013 que se torna necessário "Adaptar a nossa Constituição aos tempos de hoje, que são completamente diferentes dos tempos de 1976 ou lá quando é que isso foi feito. Nós temos que ter uma actualização permanente”.
Na altura e como é habitual traçou um retrato da situação portuguesa sublinhando a qualificação e o peso negativo da partidocracia e da gestão das suas influências. Claro que este discurso colhe mas recordo mais algumas matérias.
O Tribunal da Concorrência de Santarém decidiu reduzir para menos de metade a multa que a Autoridade da Concorrência tinha decidiu aplicar à cadeia de supermercados da Jerónimo Martins por vendas abaixo do preço de custo na extraordinária campanha de 50% de desconto no 1º de Maio o que lhe valeu a obscena multa de 30 000€.
O crime compensa. Lembro que Soares dos Santos afirmou na imprensa a obtenção de um ganho de 25 a 27 milhões de euros com o amargo espectáculo que o Pingo Doce, proporcionou nesse 1º de Maio.
Ainda em relação a práticas deste grupo económico, lembram-se que o Pingo Doce anunciou deixar de aceitar pagamentos com cartão de crédito ou débito para quantias abaixo dos 20€. No folheto de anúncio da medida, dirigido aos consumidores, lia-se que, "ao pagar as suas compras com dinheiro até 20 euros está a ajudar-nos a concretizar mais oportunidade de poupança para si". Um fino exemplo de hipocrisia e manha.
Na verdade, a decisão permite ao Grupo uma poupança estimada em cinco milhões de euros. A DECO considera a medida pouco favorável aos consumidores em termos de comodidade e segurança.
Compreendo evidentemente que a gestão de uma qualquer empresa deve, necessariamente, considerar a economia de custos pelo que, do ponto de vista do Grupo Pino Doce, a decisão inscreve-se num acto de gestão que visa redução de custos através da poupança nas comissões relativas aos terminais. Tudo bem, é a economia, o mercado.
O que me causa algum embaraço nestas histórias é a recorrente postura e discurso hipócrita da liderança do Grupo, designadamente, de Alexandre Soares dos Santos que se assume como campeão de ética e transparência, lembram-se certamente da famosa declaração pública "Truques é para o Sócrates, não comigo".
Também recordo, Nicolau Santos denunciou-o no Expresso, que quando o Governo fez aumentar o IVA, foi publicitado até à exaustão que a cadeia Pingo Doce não o aumentou, mas, na verdade, repercutiu o aumento nos preços pagos aos produtores, esmagando, assim, as suas já reduzidas margens. Continuou desta forma manhosa a assegurar a fatia de leão do lucro, a distribuição, e ainda pôde proclamar que não aumentou o IVA. Entretanto, certamente com cobertura legal, também mudou para a Holanda a sede de algumas actividades do Grupo, à procura de benefícios fiscais que agora aparecem quantificados, 79,9 milhões de euros em 2012.
Com a maior desfaçatez estas e outras iniciativas têm invariavelmente o intuito afirmado de ajudar e defender as famílias e as suas dificuldades.
Assim, para que não passe por pobre e mal agradecido, em meu nome e em nome de milhares de outras famílias, o meu muito obrigado ao Pingo Doce e a Alexandre Soares dos Santos pela persistente defesa dos nossos interesses sacrificando os seus próprios objectivos.
Na verdade, façam o que eu digo, não façam o que eu faço. Estamos fartos de lições desta natureza. Alexandre Soares dos Santos terá, evidentemente, os seus méritos e destaco a iniciativa que suporta a PORDATA  mas poupe-nos a lições em termos de ética.

O PROFESSOR QUE CONTAVA HISTÓRIAS DE ADIVINHAR

Era uma vez um professor, bom, já não era bem um professor porque, sendo velho e tendo havido alguém que se esqueceu de o mandar embora, ainda vinha todos os dias para escola só para contar histórias aos miúdos, dizia ele.
Não tinha família ou alguém que por ele esperasse, esperava ele que os alunos viessem às histórias quando não tinham aulas a sério. E eles vinham.
As histórias que contava eram estranhas, passavam-se sempre no futuro. Falavam de pessoas que os miúdos haveriam de conhecer, das coisas que haveriam de fazer, das terras onde haveriam de ir, das coisas que iriam aprender, de coisas difíceis que iriam encontrar, de coisas muito bonitas e, às vezes feias, que iriam acontecer, enfim, a partir do que eles já sabiam, mostrava-lhes o que ainda desconheciam. Era assim como se fossem histórias de adivinhar e os miúdos gostavam.
Eles só não sabiam que o professor velho, de vez em quando, em vez de ir para casa onde não tinha ninguém, ia num instante espreitar o futuro.
Assim podia ajudá-los a chegar lá.

SEGURANÇA INFANTIL. Não, os acidentes não acontecem só aos outros

A segurança infantil é uma matéria que deve estar de forma permanente na agenda de preocupações da qualquer comunidade.
O estudo do ACP sobre o transporte de crianças pequenas nos automóveis familiares e as cenas a que com alguma regularidade assistimos mostram o que está por fazer em matéria de informação e boas práticas. Nesta matéria, o transporte rodoviário de crianças, chamava ainda a atenção para as condições de segurança em que por vezes são transportadas em autocarros ou carrinhas de passageiros sob a responsabilidade de instituições.
Continuamos a ser um dos países com taxas mais elevados de acidentes domésticos envolvendo crianças, sendo que os acidentes rodoviários são a maior causa de morte entre crianças e adolescentes.
Neste cenário todas as iniciativas promotoras de protecção e de segurança dos miúdos são, por princípio, positivas embora me pareça, como sempre, necessário usar de algum bom senso e evitar excessos de zelo que também não são positivos, ainda que em matéria de segurança infantil o excesso seja melhor que o defeito.
Aliás, parece-me importante registar que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes,  também se verifica um número altíssimo de acidentes o que parece paradoxal. Por um lado, em muitas circunstâncias diárias protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva face às suas necessidades de autonomia e desenvolvimento e, por outro lado e em muitas outras situações, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, por vezes, têm consequências trágicas.
E não vale a pena pensar que os problemas só acontecem aos outros.

PARTIU PETE SEEGER

Partiu mais uma referência da banda sonora que acompanhou a minha geração, Pete Seeger.


Fica a herança e a memória.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O MIÚDO QUE TINHA MEDO DE CRESCER

Era uma vez um miúdo, o Manel, que gostava muito de brincar. Tinha sete ou oito anos, já andava na escola e sentia-se um bocadinho zangado pois achava que tinha pouco tempo para brincar. Estava de manhã até à noite a fazer coisas na escola e da escola quando estava em casa, coisas que não eram de brincar, chamavam-lhe actividades.
Não percebeu bem porquê mas os adultos foram deixando de brincar com ele. O Pai dizia, “Estás a crescer, tens de fazer os trabalhos”. A Mãe dizia, “Prepara-te, quando fores grande a vida é a sério”. A Professora dizia, “Não podes brincar, assim não progrides”. E toda a gente achava que ele não podia brincar porque “tinha que se preparar para a vida”. Bom, toda a gente não, o Avô do Manel, que ele só via nas férias e no Natal, ainda brincava com ele e contava-lhe histórias de rir.
De mansinho o Manel começou a assustar-se com a ideia de crescer e já não brincar. Decidiu pois que não crescia. E continuou a fazer sempre o que os pequenos fazem, a falar o que os pequenos falam e até parecia que pensava o que os pequenos pensam. Ficou um menino estranho e triste. Toda a gente preocupada e sem entender. Uma vez, de visita ao Avô puseram-se os dois a olhar para os bonecos e carros de cana que construíam para brincar nas férias. O Avô falou, “Manel, toma bem conta destes bonecos e destes carros e como se fazem. Quando cresceres vais ensinar os miúdos pequenos a brincar com eles e a fazer outros”. 
O Manel estranhou e perguntou, “Mas quando crescer, ainda posso brincar e fazer brinquedos?” Disse o Avô, “Claro, é mesmo uma das coisas mais importantes que tens para fazer quando fores grande”.
O Manel perdeu naquele minuto o medo de crescer.

VISTOS GOLD DE CHEGADA E VISTOS DARK DE PARTIDA



Segundo Rui Machete, "2014 será mais um ano promissor" no que se refere a um negócio em expansão, a venda de vistos gold a estrangeiros em troco de investimento em Portugal. Durante 2013 Portugal concedeu cerca de 470 vistos para actividade de investimento, num total que rondou os 300 milhões de euros, investidos na compra de imobiliário.  Os cidadãos estrangeiros que desta forma mais "investem" em Portugal, são os chineses, claro, seguindo-se cidadãos da Rússia, Brasil, Angola e África do Sul.
Considerando esta contabilidade relativa aos que de fora cá dão um pulo para "investir" a troco de vistos gold, seria interessante fazer as contas relativamente ao que perdemos com a partida de muitos milhares de jovens altamente qualificados que depois de cá adquirirem formação se sentem obrigado a partir a troco de um futuro pois por cá ... as portas estão fechadas, recebem um visto dark de partida. Agora serão mais uns milhares que não acederam a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento ou interrompem o trabalho que faziam em centros de investigação e laboratórios. São muitos milhões de euros que se perdem, no investimento feito e nas consequências económicas e sociais da partida, muitas vezes definitiva.
Eu sei que a economia é um universo demasiado sofisticado para que um cidadão comum possa entender os seus meandros, mas este não pode ser o caminho.

ERROS MÉDICOS. E DEPOIS?

Nos últimos 13 anos quintuplicou o número de queixas por alegada negligência ou erro grave apresentadas contra médicos ou outros profissionais de saúde.
É também relevante que em 2013, em 107 auditorias realizadas aos centros de saúde e hospitais pela Ordem dos Médicos em parceria com a Direcção-Geral da Saúde, para perceber a qualidade da aplicação das normas clínicas definidas estavam a ser bem aplicadas, concluíram que as taxas de incumprimento atingem 70%.
Estes dados não devem significar apenas, creio, tanto um aumento dos erros mas também um aumento da decisão de apresentar queixa face ao erro ou à suspeita de erro.
No que se refere ainda à prática clínica imposta considerar que as actuais circunstâncias de funcionamento em muitos centros de saúde e hospitais podem aumentar o risco de erros ou negligência.
Por outro lado, importa sublinhar que os tribunais portugueses levam cerca de oito anos, em média, a decidir casos de "erros médicos", sendo que estes podem assumir diferentes contornos.
Esta morosidade, que não se estranha, é fruto da teia infindável de esquemas e manhas processuais que dilatam no tempo até ao inaceitável, quando não à prescrição, muitos dos processos, desta natureza e de outras, colocados à justiça. Chamar-lhe justiça é, evidentemente, uma questão de hábito.
Se pensarmos que os casos de "erros médicos" colocados aos tribunais podem conter alguma forma de dano ou consequência para o queixoso(a), percebe-se como este atraso fará parte das consequências e não uma forma de conseguir a reparação de eventual erro de um clínico.
Assim, espera-se que a constatação deste fenómeno sustente a intenção e os meios para responder em tempo útil e da forma adequada às questões levantadas quer por utentes, quer por profissionais.
Numa altura em que estão em curso e planeados ajustamentos e restrições no SNS, importa estar atento às consequências desses constrangimentos na qualidade dos serviços prestados.

SOMOS PARCEIROS. Tu assumes prejuízos, riscos e encargos e eu ... os lucros


Na verdade, a generosidade do Estado assumida pelos sucessivos Governos é extraordinária. Numa espécie de variante do Estado Social em modo “Só p’ra amigos”, o estabelecimento de parcerias entre as instituições públicas e instituições privadas, as PPPs, tem sido uma excelente forma de distribuir riqueza.
Para além dos mais conhecidos sectores das obras públicas, estruturas rodoviárias sobretudo, e da saúde, o universo das concessões na gestão das águas em diversos municípios tem sido notícia nos últimos dias. Do que vai sendo conhecido resulta invariavelmente uma péssimo negócio para o estado, para os contribuintes, e um muito bom negócio para os concessionários.
As PPPs em modo português, de uma forma geral, são uma estranha e assimétrica parceria, um parceiro assume os encargos e os riscos e o outro parceiro recebe os lucros.
O que parece mais embaraçoso é que esta assimetria inaceitável entre quem se assume como “parceiro” tem vindo a ser sucessivamente denunciada mesmo de dentro do estado. Apesar disso, sucessivos governos têm apostado de forma despudorada, irresponsável e delinquente do ponto de vista ético, para ser simpático, no estabelecimento e fortalecimento ou manutenção destas Parcerias assentes em contratos jurídicos estabelecidos basicamente à medida dos interesses privados de empresas e grupos “amigos”, constituindo-se, assim,  como verdadeiros brindes à custa do erário público e dando um enorme contributo para a situação financeira que actualmente vivemos.
Mais grave, é ter-se continuado a assistir à defesa destes comportamentos, à impunidade dos responsáveis e ao aumento dos custos que esta ruinosa e irresponsável política envolve.
E não acontece nada de significativo.
É o Portugal dos Pequeninos.

SÃO ESCOLAS FECHADAS ...




... segredos por revelar, usando as palavras dos Heróis do Mar  em "Fado".
O mundo anda estranho. A "normalidade" que se abateu sobre o universo da educação e da escola pública não pára de se manifestar.
As escolas de Leiria vão retomar as aulas pois irão contar com mais uma funcionária que era imprescindível ao seu funcionamento. Porque é que estas questões têm de ser tratadas assim?

domingo, 26 de janeiro de 2014

A BIRRA. Uma história improvável

Era uma vez um miúdo, o Francisco, com três anos e pouco. Vivia com o pai Daniel, a mãe Maria, a irmã Joana e a avó Jacinta, muito velha e que às vezes inventava histórias esquisitas. 
Como muitas famílias naquela terra, saíam muito cedo de casa e voltavam já tarde. O Francisco para a o Jardim de Infância, a Joana para a escola e tempos livres, o pai e a mãe para o trabalho e a avó para o centro de dia dos reformados. 
Quando chegavam a casa, o pai Daniel lia o jornal na sala, a mãe Maria dava banho ao Francisco e fazia o jantar, a irmã Joana fazia os trabalhos de casa e a avó dormia sentada no sofá e, no meio do sono, inventava histórias. Para despachar o Francisco davam-lhe jantar primeiro e depois ele entretinha-se a brincar, só, enquanto o resto da família jantava a olhar para a televisão por causa de uma telenovela.
Um certo dia, o Francisco resolveu fazer uma birra das grandes para comer a sopa do jantar. A mãe Maria depois de cantar todas as cantigas que sabia desesperou e chamou o pai Daniel que para entreter o Francisco fazia macaquices, veio também a irmã Joana que trouxe a playstation dela para o Francisco ver. Até a avó Jacinta se levantou do sofá e contava histórias antigas. E começaram a ser assim muito animadas as horas de jantar do Francisco, todos os dias.
Só ele sabia que com a birra conseguia que a família estivesse junta à volta dele.

O TEMPO DO TRABALHO E O TEMPO DAS PESSOAS

Na proposta de alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas o Governo propõe que os organismos públicos possam substituir o pagamento em dinheiro das horas extraordinárias por dias de descanso, desde que os trabalhadores concordem.
A ideia que poderia ser interessante vinda de um Governo que aumentou a carga horária semanal para as 40 horas e que diminui substancialmente os rendimentos dos funcionários da administração, é mais uma habilidade para poupar, tem pouco a ver com a ideia de proporcionar mais tempo às pessoas. Exactamente o mesmo que se pretende com a ideia do tempo parcial, que noutros países pode ser uma boa opção, mas que em Portugal, devido aos baixos salários, é pouco atractiva. É certo que o Geniozinho Pedro Lomba, Secretário de Estado Adjunto do Genia Ministro Adjunto Poiares Maduro, referiu na altura que esta proposta era amigável para as famílias, num rasgo de demagogia quando o Governo tinha acabado de decretar o aumento das horas de trabalho. Na sua perspectiva os desempregados seriam uns privilegiados pois teriam todo o tempo para a família.
Na verdade, um estudo de há algum tempo realizado em 14 países da Europa sugeria que os portugueses são os que mais dificuldades revelam em conciliar trabalho com vida pessoal. De facto, 84 % dos inquiridos revelam essa dificuldade sublinhando a falta de tempo para a família e amigos, para si próprios e companheiros e para actividades de lazer.
Já tenho referido aqui no Atenta Inquietude que uma das questões mais associadas aos estilos de vida que suportam os dados acima é o envolvimento dos pais no processo educativo escolar dos filhos. Com as circunstâncias de vida diária actuais não é fácil, sobretudo em zonas urbanas, a presença dos pais na escola com consequências óbvias. É certo que se verificarão algumas situações de negligência mas muitas das ausências decorrem da dificuldade de conciliar com a vida profissional.
Considerando este cenário, defendo há muito a pertinência de, em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais.
Não me parece impossível que em muitas profissões os tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os filhos e menos tempo destes na escola.

sábado, 25 de janeiro de 2014

A INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. O parente mais pobre de uma família que empobreceu

A propósito do trabalho no Público sobre os impactos muito significativos da actual visão da tutela sobre a investigação científica no universo particular das ciências sociais, recordo uma recente entrevista, também no Público, de Devon Jensen, professor universitário com trabalho desenvolvido sobre o papel das universidades, a sua relação com os governos e o mundo económico e empresarial, que apresentou em Lisboa uma conferência com a estimulante interrogação como título, Is Higher Education Merely a Servant of the Economy?  .
Da extensa entrevista cuja leitura na altura recomendei retomo algumas notas.
Em primeiro lugar parece-me de a importância crucial atribuída ao investimento em formação de nível superior ainda que em diferentes formatos e extensão. Esta afirmação contraria a lógica actualmente seguida em Portugal de desinvestimento no ensino superior e investigação.
Parece-me também de sublinhar a importância do investimento na formação e desenvolvimento na formação e investigação nos domínios das ciências sociais e das humanidades. Mais uma vez, este investimento e importância são afirmados ao arrepio da forma insustentável como em Portugal as Ciências Sociais são consideradas pelo MEC, como várias posições e discursos ultimamente produzidos e divulgados demonstram e aos quais aqui tenho feito referência. Recordo a discriminação em matéria de financiamento e os discursos que se vão ouvindo sobre o que deve ser a investigação de “qualidade”.
No mesmo sentido, parece interessante que, contrariando um discurso que se instala no sentido de definir a oferta formativa de ensino superior com um critério quase exclusivamente centrado na “empregabilidade”, Devon Jensen chama a atenção para a volatilidade e mudança no mercado de trabalho, bem como para o papel de liderança que as instituições devem assumir na definição da sua oferta, ou seja e como já tenho referido, o ensino superior não deve ignorar o marcado de trabalho mas não pode andar “a reboque” desse mercado que, aliás, muda a uma velocidade enorme.
Uma última referência para o que Devon Jensen chama de “novo paradigma” no financiamento das universidades a que eu acrescentaria, da investigação.
Em termos simples, Devon Jensen afirma que sendo as empresas beneficiárias da qualificação dos seus trabalhadores devem, por isso, financiar as universidades para a formação. A experiência vai-me causando alguma reserva face aos “novos paradigmas” tantas vezes referidos a propósito das mais variadas matérias que, nas mais das vezes, de novo têm pouco e paradigma … nunca serão. Miguel Seabra e Nuno Crato também defendem uma nova visão para a investigação e ciência e o resultado parece muito preocupante.
Na verdade esta perspectiva levanta-me algumas questões. Em primeiro lugar, creio que se considerarmos que as empresas beneficiam da qualificação superior dos seus colaboradores então devem pagar-lhes em função dessas competências e dos benefícios que obtêm. Com salários mais elevados os mais qualificados pagarão, obviamente, um maior volume de impostos o que contribui mais para o financiamento do estado e, também, do ensino superior público. A situação por cá é assustadora pois verifica-se que empresas e também o estado pagam a pessoas qualificadas salários miseráveis e indignos, não sendo um salário mas antes um subsídio de sobrevivência. Como esperar que este mercado que assim funciona venha a envolver-se num “novo paradigma” financiando o ensino superior e da investigação?
Finalmente, com as empresas a financiar o ensino superior e a investigação, acentuar-se-ia a desvalorização do universo das ciências sociais e das humanidades. O que se passa com o financiamento à investigação nesta área mostram isso mesmo. Esta perspectiva vai ao encontro da visão expressa pelo Ministro Pires de Lima e da visão da tutela e está bem evidenciada no trabalho do Público.
Sopram ventos adversos.

A FALTA DE COLABORAÇÃO DOS DESEMPREGADOS E A SOLIDARIEDADE DOS DOENTES

Na sua política de sacar de quase todos o mais que puder, o Governo resolveu que também os privilegiados que recebem subsídios de desemprego ou de doença deveriam algum "imposto" sobre esse rendimento, o que está muito certo, devem combater-se privilégios.
Acontece que os reaccionários e chatos juízes do Tribunal Constitucional impediram que os privilegiados com rendimentos mais baixos pagassem tal imposto.
Como resultado de todo este processo, a receita esperada pelo Governo do contributo generoso dos privilegiados desempregados para a equidade na repartição dos sacrifícios, que como se sabe é inquestionável, ficou abaixo do esperado. Os desempregados não colaboraram como deviam no esforço nacional e pagaram menos "imposto" do que o esperado.
No entanto, nem tudo corre mal, os privilegiados que estão doentes recendo subsídio pagaram mais "imposto" do que o previsto, mostrando um nobre e generoso exemplo de solidariedade e sacrifício, estão doentes mas cumprem o seu dever de cidadania, pagam "impostos" e mais do que o esperado.
Mas 2015 está mais perto, a coisa vai mudar um bocadinho.

COM A SOCIEDADE PREPARADA, SOU A A FAVOR ...

O rapaz que lidera a JSD, Hugo Soares, que entrou na agenda como primeiro nome ligado a uma das mais vergonhosas manobras políticas dos últimos tempos, a proposta de referendo sobre a co-adopção e adopção de crianças por casais de homossexuais, admite em entrevista ao DN que se a sociedade estiver preparada, ele próprio será a favor da adopção.
É uma abordagem interessante e que se poderá mesmo generalizar. Vejamos.
Com a sociedade preparada, sou a favor do combate à pobreza e exclusão.
Com a sociedade preparada, sou a favor de um maior aprofundamento da qualidade da nossa vida em democracia.
Com a sociedade preparada, sou a favor da não discriminação de género.
Com a sociedade preparada, sou a favor de uma educação inclusiva, com equidade na participação de todas, mesmo todas, as crianças e jovens na vida da comunidade educativa.
Com a sociedade preparada, sou a favor de uma vida com dignidade para toda a gente.
Com a sociedade preparada, sou a favor de uma efectiva protecção dos direitos individuais.
Com uma sociedade preparada, sou a favor ...
De maneira que é assim, temos que aguardar com serenidade, sem pressas, sem ondas, que a sociedade se prepare. Depois, evidentemente, tudo correrá bem.
Mais a sério, inquietante mesmo é que conforme a história autoriza a pensar, existe a fortíssima probabilidade deste rapaz chegar a primeiro-ministro. 
Aí, a sociedade tem mesmo que estar preparada. Mas eu não sou a favor.

PS - Entretanto, Pilatos, perdão, Cavaco Silva, o homem que nunca se engana e raramente tem dúvidas, enviou para o Tribunal Constitucional a delinquente proposta de referendo da rapaziada da JSD que os mais crescidos do vergonhosamente aprovaram.  É assim o Portugal dos Pequeninos que usa os direitos dos pequenos para jogos políticos dos grandes.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

TELEVISÃO PARA TODOS


Os operadores protestam com a decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação social devido aos encargos que implicará, enquanto as associações envolvidas no universo das pessoas com deficiência apesar de registarem o avanço deste plano, apontam falhas e a necessidade de ir mais longe.
Apesar do progresso que representa o plano definido pela ERC,  a posição dos operadores pode criar algumas dificuldades ao seu desenvolvimento e inibir novas iniciativas que protejam os direitos e as necessidades das pessoas com deficiência.
Apesar dos seus protestos, a voz das minorias é sempre muito baixa, ouve-se mal. E existem variadíssimas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente educação, qualificação profissional e emprego, apoios sociais, etc. em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Termino com uma afirmação que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

NUNO CRATO E OS MITOS

Como tinha antecipado, as explicações científicas de Nuno Crato sobre a negrura que estendeu sobre a ciência e a investigação assentam num raciocínio mágico sobre a realidade. Com um ar absolutamente tranquilo, tortura os números, recorre à estafada retórica da exigência e da qualidade e conclui sem um sobressalto que a realidade é o que ele acabou de descrever e que tudo o que temos à frente dos olhos e sem grandes dúvidas, menos investimento, menos bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, processos que levantam imensas dúvidas, não passam de um mito ou, citando-o, numa conjecturavável ambiguidade, conforme o oficial coveiro Miguel Seabra também afirmará.
O Ministro Nuno Crato gasta boa parte do seu tempo a discorrer sobre mitos. Recordo o mito dos professores a mais que se constrói através do aumento do número de alunos por turma, de reformas curriculares manhosas ou da diminuição de apoios educativos disponíveis.
Recordo ainda o mito em torno do péssimo trabalho realizado nas escolas públicas portuguesas com alunos vítimas do "eduquês" e dos criminosos e facilistas "cientistas da educação", mito esse que veio a ser desmontado pelos resultados do PISA que tornaram claros os progressos realizados, e agora ameaçados.
Também é de referir o mito da chamada liberdade de educação e de alguns dos modelos que lhe estão associados serem apresentados como o modelo para a qualidade a educação quando a investigação e análse das experiências internacionais parecem pouco favoráveis a tal conclusão. 
Na verdade, temo que a educação e o ensino público de qualidade, com uma preocupação de não deixar crianças de fora, com dispositivos de apoio a alunos e professores, com autonomia nas escolas, etc., seja mais um mito, o último que Nuno Crato quer combater.


POR UMA CULTURA DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

De há muito e a propósito de várias questões, afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação do poder parental para além de, também nesta matéria, surgirem frequentemente decisões incompreensíveis,o silêncio face a situações conhecidas, a falta de recursos e formação neste domínio entre os diversos interventores nos processos envolvendo crianças em risco, etc.
Neste contexto é de saudar a iniciativa hoje conhecida de promover formação aos profissionais de forças e serviços de segurança que trabalham no dia-a-dia com crianças e jovens, bem com a criação de uma coordenação nacional que promova alguma uniformidade nos procedimentos do Ministério Público relativamente a este tipo de casos.
Por outro lado, importa  ainda considerar as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram. Há algum tempo foi anunciado um reforço de meios, aguardemos pelos efeitos.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que, depois de alguns episódios mais graves, se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA


Ao que parece, Nuno Crato, apesar da recusa do PSD, irá mesmo ao Parlamento explicar a sua política em matéria de investigação e ciência, designadamente no que respeita ao número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e ao processo de selecção que levanta sérias dúvidas.
Espera-se, naturalmente, uma explicação científica, rigorosa, exigente e competente sobre as decisões mais recentes nesta matéria.
Tal como Miguel Seabra, Presidente da FCT e oficial de coveiro, o Ministro virá com certeza sustentar que com menos verba alocada se aumenta o investimento na ciência e com menos bolsas se aumenta a investigação, o que é um autêntico milagre, evidentemente explicado cientificamente por Nuno Crato. Aguardo com alguma expectativa esta lição de ciência.
Embora possa estar distraído, ainda não ouvi alguma voz de relevo da comunidade científica e do tecido da investigação em Portugal afirmar compreender e defender este entendimento,  antes pelo contrário, a recusa e a crítica parecem ter reunido um inabitual consenso, o Ministro conseguiu fazer o pleno.
É evidente que estas vozes críticas pertencem a pessoas que da sua zona de conforto e longe do mundo real,  como entende o Ministro da Economia numa embaraçante, perigosa e ignorante intervenção,  não conseguem alcançar a capacidade realizadora e a visão dos responsáveis do MEC.
Como já escrevi, a negrura crática que cai sobre a investigação vai ter consequências brutais em termos de desenvolvimento científico e económico para além, evidentemente, do impacto nas carreiras pessoais assim ameaçadas de milhares de pessoas que investigam, criam conhecimento, promovem desenvolvimento e que agora, provavelmente ou desistem ou emigram.
E assim se destrói um país, científicamente, por assim dizer.

OS SÁBIOS E OS MIÚDOS SÁBIOS

Era uma vez, estavam dois miúdos num parque, um desses sítios que algumas terras têm para os mais pequenos brincarem, os poucos que ainda brincam nos parques, é claro. Não havia muita gente. Os miúdos, às tantas, rebolavam no chão assim um bocado engalfinhados.
Passou um médico e pensou que eles talvez se magoassem porque aquelas brincadeiras podem ser perigosas.
Passou um antropólogo e pensou como provavelmente os mais pequenos ainda realizam lutas simbólicas por territórios, apesar das mudanças culturais.
Passou um pai e pensou como era possível acontecer que as crianças estivessem ali sozinhas nos dias que correm.
Passou um professor e pensou como seria mais útil que estivessem a ler e estudar algo de interessante.
Passou um sociólogo e pensou como desde cedo se procura hierarquizar as relações sociais.
Passou um psicólogo e pensou como começa a ser tão frequente o bullying.
Passou um padre e pensou como os padrões morais que regem os comportamentos se alteram e a violência se instala.
Passou outro miúdo e perguntou “Estão a brincar a quê?”. Responderam os outros, “Às lutas, também queres brincar?”, “Quero”.
E ficaram três miúdos a rebolarem-se no chão um bocado engalfinhados. E felizes.

E O PRÉMIO NOBEL DO OPTIMISMO VAI PARA ...


Bill Gates. Creio que apesar da sua genialidade e lado visionário Bill Gates, esquece ou desconhece as variáveis interiores ao funcionamento humano e aos valores nos tempos actuais, sobretudo em comunidades consideradas mais desenvolvidas.
Como insistentemente afirma alguém que conheço, o problema da pobreza, não está na pobreza, está na ... riqueza.
Aliás, um estudo hoje divulgado e respeitante aos Estados Unidos sobre pobreza, desenvolvimento e mobilidade social realizado pelas Universidades de Berkeley e Harvard,  mas com resultados muito provavelmente generalizáveis mostra isso mesmo, não estamos a conseguir promover equidade nas oportunidades e mobilidade social de forma sustentada e generalizada.
Acontece que da riqueza e de uma forma geral nós não abdicamos, não queremos abdicar. O resultado é .... a pobreza.

A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA ...


... o que não se estranha num País que sempre mostrou uma enorme preocupação e investimento na manutenção e conservação das suas mais genuínas tradições e dimensões culturais.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

CIÊNCIAS OCULTAS

 

Sem surpresa, uma vez que era insistentemente referido no meio científico e universitário, para além da devastadora catástrofe que se abateu sobre a ciência e a investigação em Portugal, com cortes brutais nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, vão surgindo os indícios de que os processos geridos pela FCT relativos às bolsas e ao concurso do Programa Investigador FCT 2013 são pouco transparentes e oferecem sérias dúvidas, mesmo aos elementos da comunidade científica envolvidos, caso dos avaliadores que analisaram as candidaturas.
Acontece ainda que o Presidente da FCT, Miguel Seabra, tenta pateticamente convencer a comunidade científica e o país de que com menos dinheiro se verifica mais investimento em ciência e que com menos bolsas se promove mais investigação, numa versão actualizada do milagre dos pães.
Decididamente, verifica-se uma mudança notável, a FCT passa a valorizar e promover as ciências ocultas.
Portugal tem que ir à bruxa.

A MENINA QUE NUNCA TEVE UM BOM

Era uma vez uma menina chamada Maria. Tinha 11 anos e não era muito bonita. Há meninos que não são. A Maria também não era muito boa aluna, os colegas tinham sempre melhores notas que ela. Há meninos assim e ela até se esforçava. 
Às vezes tinha dúvidas, os professores ajudavam, mas como era pouco tempo ainda ficava sem saber algumas coisas. Queria e tentava fazer os trabalhos de casa, mas o pai e a mãe não sabiam ajudar porque tinham andado pouco tempo na escola e o irmão era mais novo.
A Maria era uma miúda triste. Um dia a directora de turma perguntou-lhe porque assim estava quase sempre. Escondida atrás de uns olhos grandes, esses sim, muito bonitos mas tristes, disse baixinho: “Eu nunca tive um bom, nem sequer um bom pequeno. Gostava tanto de ter um”.
Umas aulas depois a professora avisou, como sempre, que ia haver teste. A Maria, como sempre, ficou assustada. Depois de o fazer, achou que tinha corrido bem. Quando a professora devolveu os trabalhos a Maria viu escrito em letras gordas, bom, GRANDE. Os olhos que já eram grandes, ficaram maiores, até ela se sentia mais crescida. Os pais contaram aos vizinhos. A Maria, podia não ter sempre notas tão altas como outros colegas, mas já tinha tido um bom.
Um bom grande, aquele bom grande. A professora também ficou grande. Amiga.

OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA - Um filme em permanente exibição numa terra perto de si


Outra vez e sempre.
A roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma verdadeira família que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimentam num tráfego intenso entre entidades e empresas públicas e entidades privadas, envolvendo-se frequentemente em negócios que insultam os cidadãos. É por este tipo de situações que reforma do estado quer dizer cortes nos rendimentos das famílias.
Esta família alargada envolve gente de vários quadrantes sociais e políticos com uma característica comum, os negócios obscuros, e tem membros destacados como Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Duarte Lima, Isaltino Morais entre tantos outros com menos impacto mediático, mais discretos na função ou no comportamento.
Acontece ainda e isto tem efeitos devastadores, que muitos dos negócios que esta família vai realizando, envolvendo com frequência dinheiros públicos ou, caso da SLN/BPN, com consequências pesadíssimas para os contribuintes.
Entretanto, do outro lado desta família que se protege e apoia, temos quase três milhões de portugueses em situações de pobreza e exclusão, um milhão de desempregados e a esmagadora maioria da população esmagada por políticas de austeridade que sacrificam a dignidade e ameaçam a sobrevivência.
Todos os membros desta família, quando questionados sobre os seus negócios ou envolvimento em algo, afirmam, invariavelmente que tudo é feito tudo dentro da lei, nada de incorrecto e, portanto, estão sempre de consciência tranquila, recordo, por exemplo, as trapalhadas que envolveram gente de relevo, como "Dr." Relvas ou o Dr. Machete, e as suas afirmações sobre a tranquilidade em que repousava as suas consciências.
Alguém poderia explicar a esta gente que, primeiro, não somos parvos e, segundo, o que quer dizer consciência.
Esta é a pantanosa pátria, nossa amada. 

AS CRIANÇAS DESAPARECIDAS QUE ESTÃO À VISTA

É bom termos histórias reais com final feliz, a criança desaparecida há três dias na Madeira foi encontrada, aparentemente bem, ao fim de 70 horas. Lamentavelmente, nem todas as situações de crianças que desaparecem têm este desenlace.
Em Portugal, segundo indicadores conhecidos, são reportados por ano cerca de 2000 casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, situações que, felizmente, na sua grande maioria são resolvidas, os menores são encontrados.
Sobre esta questão que afecta muitas crianças e famílias, algumas notas repescadas.
De há uns anos para cá tem sido feito um esforço nacional e internacional no sentido de aumentar a eficácia na abordagem a situações desta natureza bem como, a maior atenção aos factores de risco, por exemplo a net e as redes sociais que não podendo, obviamente, ser diabolizadas, apresentam alguns riscos que não devem ser negligenciados.
Embora se saiba, como já referi, que muitos dos casos reportados de desaparecimento de crianças e adolescentes acabem por ter, por assim dizer, um final feliz, o desaparecimento é temporário, reactivo a incidentes ou a resultados escolares alguns transformam-se em tragédias sem fim como o caso do Rui Pedro desaparecido há 15 anos ou menina inglesa, a Maddie, desaparececida no Algarve.
Uma situação desta natureza é uma tragédia absolutamente devastadora numa família. Nós pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a tragédia da morte mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que, tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e afectivo na vida familiar a situação é de uma violência inimaginável.
No entanto e neste contexto, creio que vale a pena não esquecer a existência de muitas crianças que estão desaparecidas mas à vista, situações que por desatenção e menos carga dramática passam mais despercebidas.
Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que, por várias razões, vivem à beira de pais e professores para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou adrenalina de quem nada tem para perder.
Em boa parte das situações, por estes ninguém procura e, por vezes, também se se perdem de vez.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

SMS - Sossega, Medo Sentido

Sossega, medo sentido.
Vêem-me só e avisam,
cuidado com as companhias.
Porquê
são as companhias que me cuidam.
Não entendem.
Queixam-se do meu silêncio.
Porquê
todos falam de mim e ninguém fala comigo.
Não entendem.
Parecem com medo de mim.
Porquê
o meu medo é ainda maior.
Escondo-me com os fones
no máximo para não o ouvir,
o medo sentido.
Não entendem.
Dizem que me porto mal.
Porquê
só procuro um porto bom.
Não entendem.
É preciso pensar no futuro, dizem.
Porquê
o meu amanhã,
vai ser igual ao hoje,
igual ao nada.
Não entendem.
Sossega, medo sentido.

OS RUMOS DO GPS


Ao que parece continuam em averigação os rumos que o grupo GPS, uma dos "majors" no mercado da educação (estou a tentar aprender a linguagem) têm tomado.
Neste tempo que os ventos parecem soprar favoráveis ao florescimento do mercado, sempre com o apoio do estado, evidentemente, logo a PJ tem que vir atrapalhar, sendo que, só para arreliar, estas averiguações estão associadas a denúncias da "concorrência", uns românticos, ingénuos e conservadores que, irresponsavelmente, defendem a escola pública e a boa administração dos dinheiros públicos. Trata-se, obviamente de gente que não quer o progresso e a liberdade de escolha em educação nos moldes que a rapaziada abrigada em Nuno Crato sustenta. É verdade que se esquecem dos resultados negativos ou inconclusivos dos estudos e experiências sobre estes modelos realizados noutras paragens, mas c'os diabos, uma pessoa não se pode lembrar de tudo, primeiro pensa nos seus interesses, é normal.
Sem supresa, uma rapaziada com estreitas ligações ao poder, alguns já o partilharam, surge ligada a este modelo obviamente inspirador da acção educativa de qualidade.  
A matéria que está em investigação é variada e interessante, prova que o mercado funciona e funciona muito bem e até parecem existir fundadas expectativas de que venha a funcionar melhor com a implosão da escola pública que está em andamento. 
Aguardam-se, portanto, desenvolvimentos sobre os novos rumos do GPS.

INTEGRAR NÃO RIMA COM HUMILHAR E MALTRATAR

Com progressiva insistência parece desenhar-se uma relação entre a tragédia que vitimou cinco estudantes universitários na Praia do Meco e uma situação de praxe.
Apesar de o fazer com toda reserva que o desconhecimento dos factos impõe, o processo está em investigação em várias frentes,  os indícios parecem fortes o que me leva, e levará, a retomar a velha questão das praxes académicas e dos velhos problemas que lhes estão associados, muitas vezes, problemas graves como eventualmente será o caso.
Na verdade, são por demais conhecidos por famílias, estudantes e muita gente que assiste ou lida de perto com este universo bem como objecto de referência regular na comunicação social episódios que no âmbito das praxes académicas correm mal.
Os excessos graves nos consumos são muito frequentes e relembro que em 2013, numa decisão pouco habitual, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a condenação decidida pelo Tribunal de Famalicão da Universidade Lusíada a indemnizar a família de um aluno que faleceu no âmbito de um episódio de praxe académica. Recordo também uma ocorrência em Beja também com contornos muito graves no contexto das praxes académicas. Sabemos todos que de há alguns anos para cá estas situações são comuns bem como são comuns comportamentos de outra natureza mas, do meu ponto vista, igualmente violentos.
Creio que no final de 2012 ou já em 2013, estruturas estudantis ligadas às praxes de nove universidades e institutos acordaram na elaboração de um documento comum que estabeleça um conjunto de princípios que permita regular os comportamentos de praxe e tentar pôr fim aos abusos que regularmente têm vindo a acontecer, alguns com consequências particularmente graves que, aliás, já motivaram a tomada de posições proibitivas por parte de algumas reitorias e direcções de escola. Esta iniciativa revela por parte dos próprios estudantes a aceitação de situações que devem ser evitadas, daí o esforço de regulação pois os códigos já existentes não parecem ser suficientes para assegurar o equilíbrio desejável.
Como várias vezes já aqui afirmei partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação, mais do que a regulamentação, dos comportamento nas praxes parece-me absolutamente indispensável. Parece-me ainda importante que este movimento de regulação integre o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada, seja numa posição favorável ou desfavorável.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro. Tenho assistido e tido conhecimento de cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo a anunciada iniciativa de regulação que envolverá diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto.
A minha experiência como aluno  universitário, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar.
Provavelmente, advém daí a minha reserva.