Num espaço relativamente curto de tempo conhecemos duas situações graves envolvendo adolescentes em que parece estar presente e com
peso significativo o fenómeno do bullying. Refiro-me ao adolescente que esfaqueou
colegas e uma funcionária numa escola da grande Lisboa e o episódio hoje
conhecido e com um desfecho trágico de um outro adolescente, aluno de uma
escola de Braga, que se suicidou e aparentemente terá sido vítima de bullying,
situação que está em averiguação embora, refere a imprensa, não existam relatos
da família e autoridades escolares relativos a situações de anormalidade.
A gravidade e a regularidade destes episódios exigem uma
atenção e reflexão contínuas, sabe-se que a ocorrência de
situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma
das características do fenómeno é justamente o medo e a ameaça de represálias a
vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou
funcionários.
Umas notas sobre este universo, o bullying nas suas diversas
formas, incluindo o emergente cyberbullying, fenómeno que assume na
generalidade dos países taxas de ocorrência muito significativas e
preocupantes. Aliás, estima-se que nos últimos três anos o fenómeno tenha provocado
pelo menos 12 suicídios nos Estados Unidos. Recordo ainda que foi anunciado em
Setembro que a Direcção-geral de Saúde iria promover em várias escolas do país durante
este ano lectivo um projecto de prevenção do suicídio dirigido a adolescentes.
Felizmente, a taxa de suicídio adolescente em Portugal não é muito alta, embora
um só caso já seja uma tragédia. No entanto, os comportamentos de natureza
auto-destrutiva são bem mais prevalentes do que se pensa. Em algumas
circunstâncias, mais tarde estes comportamentos podem culminar em suicídio.
Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que
ocorrem estes episódios é imprescindível que lhes dediquemos atenção
ajustada, nem sobrevalorizando o que promove insegurança e ansiedade, nem
desvalorizando negligenciando riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de
intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos
problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista,
assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo
que podem coexistir.Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying,
as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as
vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além
da óbvia punição, quando for caso disso.
Relembro que o Portal sobre o bullying teve durante o seu
primeiro ano de funcionamento cerca de 650 000 visitas e respondeu a 700
solicitações.
Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de
apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e
alunos possam obter informação e apoio. Lamentavelmente, este serviço é
exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do
sistema educativo, para além das insuficiências na formação de técnicos e de
professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos
qualificados e suficientes é, a par de ajustamentos nos modelos de organização
e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma
tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável
porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois
das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é
necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia a dia sinais
de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço
onde passam um tempo enorme. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados
ou desvalorizados.
O resultado pode ser trágico. Alguns destes miúdos vão
conseguir serenar da única forma que não podiam.
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