Na sequência do que já tinha sido anunciado pelo MEC, foi
criado um Grupo de Trabalho envolvendo também elementos da Segurança Social que
no prazo de três meses deverá apresentar propostas de revisão da legislação
relativa à Educação Especial. Para este trabalho o MEC refere a intenção de
proceder a um estudo alargado bem como à audição de instituições e
especialistas. Aguardemos pois. Entretanto algumas notas.
Desde logo, creio que, independentemente das mudanças legais
que de há muito defendo neste universo, muitos dos problemas actualmente
sentidos, este ano lectivo tem sido particularmente difícil, não relevam
directamente das insuficiências ou problemas de legislação, mas das decisões
políticas que estão para além da própria legislação, como o corte de
professores, técnicos e funcionários, a colocação de mais alunos com NEE numa
turma do que a legislação determina ou o não respeito pelo que também está
legalmente determinado em matéria de redução de alunos por turma quando existem
alunos com NEE. A questão da legislação, para além da sua qualidade, implica,
evidentemente, o seu cumprimento. Talvez o MEC tenha de reformular o seu
entendimento sobre o que é uma lei.
Recordo ainda que o OGE para 2014 para a Educação contempla
menos perto de 20 milhões de euros considerando o MEC e a Segurança Social,
mais uma vez não e um problema de legislação é de decisão política.
Relembro que em Julho de 2013 foi conhecido o Relatório da
Inspecção-geral da Educação e Ciência, Educação Especial: Respostas
Educativas, respeitante ao ano 2011/2012.
A avaliação envolveu 97 agrupamentos e escolas nas quais
existiam 3489 turmas com alunos com necessidades educativas especiais
integrados e apenas metade tinham a redução de alunos prevista na lei. Nada de
estranho, como é sabido, o Ministro Nuno Crato acredita que turmas grandes
favorecem o sucesso educativo, mesmo o de alunos com necessidades especiais.
No mesmo Relatório identificavam-se alguns constrangimentos,
alunos cegos ou com baixa visão sem acompanhamento adequado ou mesmo sem ensino
de braille ou de orientação e treino de mobilidade, escolas que recebem alunos
surdos sem ensino de Língua Gestual Portuguesa ou sem intérprete, a maioria das
escolas não estrutura programas de transição para chamada vida activa,
pós-escolar, não promovendo eficazmente projectos de integração social que
seriam desenvolvidos em parceria com outras instituições. Este facto, que não
me surpreende, lamentavelmente, decorre de um dos equívocos estabelecidos nos
últimos anos neste universo, as Parcerias Público Privadas para a inclusão. O
Relatório refere ainda a insuficiência de professores, técnicos e intérpretes
para o número de alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas
analisada.
O ano de 2012/13 desenvolveu-se nos mesmos parâmetros e o
ano lectivo em curso foi catastrófico no seu início e continua com enormes
problemas, falta de respostas, professores, funcionários, transportes,
técnicos, desrespeito pelos próprios normativos relativos o número de alunos
por turma, quer no que respeita aos alunos com NEE quer no que respeita aos
seus colegas, etc.
É também verdade que, sempre o afirmei, que com base num
incompetente normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei
3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que
estão abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho
de muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que
o Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias
concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes,
mais diferentes.
Também tenho a convicção e o conhecimento de que esta
legislação inibe, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a crianças
que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas de
prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer
correspondência com a realidade, quer pelos modelos de organização de respostas
que impõe.
A minha reserva, confesso, é que conhecendo nós o que tem
sido a prática “reformista” do MEC, a revisão da legislação possa não se
realizar no sentido mais adequado, temos muitos exemplos, a reforma curricular
é apenas um deles.
A forma como está, em muitas situações, a ser colocada em
prática a extensão da escolaridade obrigatória até aos 18 anos para muitos
alunos com necessidades especiais é também pouco aceitável em termo de educação
inclusiva, qualidade e respeito pelos direitos dos miúdos e famílias.
Entendo também que a prestação de serviços educativos, na
área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" ou as parcerias
estabelecidas com as instituições assentam num enorme equívoco que os cortes
orçamentais tornaram evidentes as dificuldades e o desajustamento do modelo
escolhido, que na altura designei como um logro criado junto das instituições
privadas que intervinham na área da educação especial e ao qual, por razões
também económicas e de sobrevivência, tiveram de aderir.
É este, do meu ponto de vista, um retrato possível e breve do
universo que vai estar em análise nos próximos três meses. Esperemos os resultados
dessa análise e as propostas decorrentes. Gostava de ser optimista, mas …
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