quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

VIDAS MALPARADAS

Um dos efeitos mais devastadores  da crise que temos vindo a sofrer foi o aumento exponencial de famílias endividadas. Assim sendo, parece importante a iniciativa da  Confederação Nacional das Associações de Família e do Centro de Apoio ao Endividado de criar uma rede de assistência, a nível nacional, de apoio a famílias endividadas para que possam elaborar planos de reestruturação sustentados que minimizem o risco de implosão que atingiu milhares de famílias.
Dados disponibilizados pela DECO elucidam o aumento brutal do número de famílias endividades bem como o dos casos de falência de singulares, as famílias. Estas situações devastadoras para milhares de agregados familiares, decorrem também, fundamentalmente, de desemprego, degradação das condições laborais e doença.
Ainda de acordo com a DECO, as famílias em incumprimento ou risco dessa situação que recorrem à Associação evidenciam, frequentemente, uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências.
A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Apesar do peso brutal que a crise económica, sobretudo o desemprego ou o abaixamento dos rendimentos do trabalho, parece-me de considerar também o peso dos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem e que merecem reflexão.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida, mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento dos filhos, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora também se conheçam situações de recurso ao crédito para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorriam, fomentando e incentivando créditos manifestamente pouco sustentados e com uma ligeireza inaceitável. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

Sem comentários: