De há muito e a propósito de
várias questões, afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários
dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação
no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da
criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida
de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade.
Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica
nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação do poder parental para além de, também nesta matéria, surgirem frequentemente decisões incompreensíveis,o silêncio face a situações conhecidas, a falta
de recursos e formação neste domínio entre os diversos interventores nos processos
envolvendo crianças em risco, etc.
Neste contexto é de saudar a iniciativa hoje conhecida de
promover formação aos profissionais de forças e serviços de segurança que
trabalham no dia-a-dia com crianças e jovens, bem com a criação de uma
coordenação nacional que promova alguma uniformidade nos procedimentos do
Ministério Público relativamente a este tipo de casos.
Por outro lado, importa ainda considerar as condições de
funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer
um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em
circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm
responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que
transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial.
Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho
desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as
integram. Há algum tempo foi anunciado um reforço de meios, aguardemos pelos
efeitos.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou
não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que, depois
de alguns episódios mais graves, se oiça uma expressão que me deixa
particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o
que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e
referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou
resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante
registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também
será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de
respostas.
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