Nos últimos dias, as questões da saúde têm estado na agenda
pelas piores razões, esperas inaceitáveis nas urgências hospitalares,
dificuldades no acesso aos medicamentos mais recentes, atraso na realização de
exames como colonoscopias com consequências gravíssimas, etc.
Como é evidente, todas estas situações estão associadas ao
quadro económico que atravessamos e às políticas agressivas de austeridade que
têm vindo a ser impostas embora o Ministro da Saúde se esforce por nos
convencer de que consegue “fazer omeletes sem ovos”, por assim dizer.
No que concerne aos gastos com a saúde recordo que considerando
os países da Europa ocidental, Portugal tem o gasto per capita mais
baixo, 2690 dólares, cerca de 1990 euros.
A este propósito, os custos da saúde, relembro ainda um
Relatório da OCDE, divulgado em Fevereiro deste ano, “Health Spending Growth at
Zero –Wich Countries, which sectors are most affected?” com alguns dados
interessantes. O Governo português cortou o dobro do que estava definido no
negócio acordado com a Troika. As contas portuguesas do sector da saúde terão
caído em 2011 5,2% face a 2010, a média de toda a OCDE foi um crescimento de
0,7%. Em 2013 a saúde teve 5,1% do PIB, a média da zona euro é de 7%. Estes
dados são elucidativos da política de cortes, custe o que custar e que
continuam e se acentuam.
O mesmo relatório alerta para os impactos a prazo,
sobretudo quando se atravessa um período alargado de perdas muito
significativas do rendimento disponível das famílias. Aliás, é importante
referir que, ainda de acordo com a OCDE, em 2010, já bem dentro do quadro de
dificuldades, os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente
do seu bolso despesas com saúde, 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da
OCDE.
Estes dados, apesar de desmentidos pelo Ministério da
Saúde, parecem-me extremamente importantes no âmbito da discussão em aberto
sobre a reforma do estado e das suas funções e o quadro a que estamos a
assistir.
Na verdade, quando tanto se questiona os fundamentos do
estado social e o peso destas funções no OGE, parece razoavelmente claro que
Portugal tem, no sector da saúde mas não só, um investimento inferior ao de
outros países.
Quando sempre que se decidem cortes, a saúde, tal como
outras áreas sociais, são alvos privilegiados, os dados do Relatório da OCDE
sustentariam outro caminho.
Embora seja importante ponderar a organização, eficácia e
custos do chamado estado social, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e
entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a
acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que
atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde a que se
acrescentam as dificuldades criadas aos próprios serviços no sentido garantirem
o cumprimento da sua missão são ameaçadores dos padrões mínimos de bem-estar e
qualidade da assistência em matéria de saúde.
Como afirma Michael Marmot, que há algum tempo esteve em
Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos
na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" seja de
repensar, pela nossa saúde.
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