Quando abordo esta questão sinto a necessidade de afirmar que na altura da eleição para a Presidência da República me pareceu saudável a emergência de uma candidatura, Dr. Fernando Nobre, fora do controle dos aparelhos partidários e os resultados vieram a confirmar a disponibilidade do eleitorado para esse não alinhamento.
Assente a poeira, a candidatura de Fernando Nobre como cabeça de lista do PSD por Lisboa com a “missão” de ser Presidente da Assembleia da República, representa o atropelo aos discursos e comportamentos que tinha vindo a assumir reiteradamente. Não é grave, ninguém é perfeito, a carne é fraca e não é o primeiro nem será o último actor da cena portuguesa dar tão grande cambalhota, antes pelo contrário a maioria dos actores políticos mostram-se autênticos troca-tintas.
Seguiu-se a entrevista ao Expresso em que surgiu de forma ainda mais despudorada o enorme contorcionismo cívico. Apenas duas referências particularmente significativas. Em primeiro lugar, reconhece não conhecer o programa político do PSD o que para o cabeça de lista ao mais importante círculo eleitoral, Lisboa, seria anedótico se não fosse patético e elucidativo do nobre propósito, querer e aceitar o poder em nome seja do que for. A segunda referência ao facto de Fernando Nobre afirmar que apenas lhe interessa o lugar de Presidente da Assembleia, se não ficar com ele renuncia imediatamente ao lugar de deputado, apesar de umas titubeantes variações posteriores. Para democrata não está mal, ou ganha ou sai do jogo. Mais uma vez se percebe que o que move o Dr. Nobre não é a democracia, a cidadania, como lhe chama num abastardamento do termo, é o poder, sempre o poder.
Depois, sempre a tentar sustentar o insustentável, em entrevista ao Público avançou, também não se estranha em Portugal, à teoria da conspiração, o mundo está a organizar-se contra si. Mas ele, resistirá a tudo na sua missão de salvar Portugal, diz. Nem tiros na cabeça, nem calúnias, nem o que quer que seja podem impedir a nobre figura da missão a que se propôs, chegar ao poder.
É verdade que a política à portuguesa é, nas mais das vezes de má qualidade, rasteira e despudorada e ao serviço de interesses que não os da generalidade dos cidadãos. O Dr. Nobre aprendeu depressa e talvez lá chegue, ao poder, o Dr. Nobre padece de um problema que não é da sua especialidade médica que tanto apregoa, não quer ver a figura triste e caricata em que se vai transformando, o poder cega.
Talvez o Dr. Nobre não queira entender, mas a decepção e embaraço que me causou a leitura que faço do seu lamentável discurso e comportamento recente não têm rigorosamente a ver com "campanhas orquestradas". De há muito que a partidocracia me transformou num abstencionista, atento mas abstencionista. Por isso saudei na altura a sua candidatura à Presidência, em nome da cidadania.
Como já aqui referi, o Dr. Nobre vai fazendo com que me lembre do meu pai. A espinha direita e a dignidade são uma reserva que um homem não pode perder, nunca. O senhor ficou, em termos políticos, sem ambas, perdeu a espinha direita e a dignidade.
Estão claros os Nobres propósitos. Triste figura.
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