Às vezes, nestes dias, dizem-nos para escrevermos cartas à família ou a pessoas que conhecemos. Eu vou escrever a vocês, não vos conheço, se calhar é melhor.
Chamo-me Bruno e tenho 15 anos e vou começar pela família. Eu já tive uma família, o meu pai, a minha mãe e dois irmãos pequenos, o Manel e a Sara. Não sei bem se podia chamar uma família porque o meu pai passava o tempo a bater na gente, sobretudo quando bebia. Eu que era mais velho apanhava mais, com um cinto, e não me deixava ir à escola. A minha mãe não dizia nada, tinha medo e tinha doenças. Um dia o meu pai morreu e eu, não se deve dizer, fiquei contente. Comecei a ir à escola outra vez mais os meus irmãos porque já tinham idade. Nessa altura, antes dele morrer, também tive uma casa, não era grande, eu e os meus irmãos dormíamos num quarto pequeno e a minha mãe e o meu pai na cozinha. A cozinha quase não era precisa porque comíamos pouco, eram umas pessoas que levavam latas de conserva e coisas assim lá a casa ou uns vizinhos que também davam alguma coisa à gente. O meu pai, alguns dias trabalhava e às vezes, antes de beber, comprava um frango assado, isso sim, era comer.
Depois, a minha mãe arranjou outro marido que ainda nos batia mais que o meu pai, queria que eu e os meus irmãos andássemos a pedir e batia na gente se não arranjávamos dinheiro, muitos dias já não ia à escola outra vez e a minha mãe andava sempre doente. Não sei como é que foi, um dia apareceram lá umas pessoas bem vestidas com a polícia e levaram a gente para uma casa grande onde havia outros miúdos e comíamos bem. Ficámos ali uns tempos e depois levaram o Manel e a Sara, disseram-me que eles iam viver com uma família mas nunca mais soube nada deles. A mim, trouxeram-me para esta casa, chama-se Lar de Nossa Senhora do Depósito e já estou aqui há uns quatro anos. Vou à escola mas não gosto muito, ainda ando no 6º ano e meteram-me numa turma de miúdos pequenos que gozam comigo por ser mais velho e estar só no 6º. Às vezes passo-me e dou-lhes, depois sou castigado. Um dia fujo daqui. Gostava de aprender a fazer qualquer coisa, mas as pessoas aqui do Depósito não me ajudam a pensar no que hei-de aprender a fazer.
Acho que gostava de aprender a fazer uma casa e uma família. Sabem como é?
Dia 1 de Junho de 2011, Lar de Nossa Senhora do Depósito
Bruno
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