quinta-feira, 19 de abril de 2012

QUEM SEMEIA VENTOS, COLHE TEMPESTADES

A imprensa de hoje veicula duas afirmações curiosas, sustentadas por uma espécie de profissão de fé dos seus autores. Cavaco Silva afirmou que acredita na manutenção do “clima de paz e coesão social" e Vitor Gaspar diz na sede do FMI que “as pessoas estão completamente dispostas a sacrificar-se e a trabalhar … desde que o esforço seja distribuído de forma justa”.
Mais uma vez parece-me de reflectir sobre esta convicta confiança na resistência e capacidade de sacrifício dos portugueses às dificuldades que atravessam.
As sucessivas e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites, como o próprio Cavaco Silva já referiu. O desemprego atingiu um nível recorde, 15%, prevendo-se o seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e testa fortemente a contenção da indignação e revolta.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira da pobreza e exclusão. Os exemplos são muitos, o caminho é empobrecer, emigrar é um saída, não se queixem, não estão bem mudem-se, etc., quando, simultaneamente, o estado, muitas instituições e figuras continuam a promover gastos e a usufruir de mordomias e rendimentos que não se compreendem e aceitam.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e nos quais Cavaco Silva e Vítor Gaspar querem desesperadamente acreditar. Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Não sei se poderemos afirmar que se estará a assistir a uma lenta mas firme mudança passando de um elogiado comportamento resignado, a uma fase de comportamento indignado e, eventualmente a uma fase de comportamento activamente revoltado, mas algo parece estar a alterar-se, veja-se as reacções a propósito das declarações de Cavaco Silva sobre as suas reformas. De facto, somos reconhecidamente um país de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

2 comentários:

anónimo paz disse...

O povo também diz que "Portugal é um País a beira-mar plantado".

E eu concordo!

Lamento apenas que não tenhamos sabido escolher bem os jardineiros, pois têm sido eles próprios mortíferas ervas daninhas. Um dos senhores que o Professor fala é bom exemplo disso.
O outro, não o conheço bem... dou-lhe o benefício da dúvida...Talvez noutro contexto...


saudações

anónimo paz disse...

ERRATA



Queria dizer: "Portugal é um jardim à beira-mar plantado"