Como acontece com quase tudo o que está no nosso mundo, as mentiras também têm o seu dia, o 1 de Abril. Lembro-me que ainda miúdo o dia 1 de Abril era aguardado com alguma excitação. Numa rígida matriz judaico-cristã em que a ideia do pecado desempenha um papel essencial, ter um dia em que se pode pecar, mentir, era algo de estimulante. Esmerávamo-nos na tentativa de criar a melhor das mentiras.
A imprensa tinha, tem ainda, o hábito de colocar uma mentira e ficaram célebres algumas das que ao longo dos anos fizeram primeiras páginas de jornais ou abertura de noticiários televisivos.
Actualmente, com mais ou menos criatividade, ainda podemos ver algumas dessas ingénuas tentativas de criar uma mentira que sublinhe o Dia das Mentiras.
O problema grande é que nos tempos que atravessamos não temos O Dia das Mentiras. Num cenário de concorrência desleal vivemos nos dias das mentiras.
Os padrões éticos da nossa vida política, económica e social baixaram e a mentira, as mentiras, são regra, deixaram de ser excepção.
Mente-se para alimentar relações laborais precárias e lesivas dos direitos das pessoas a projectos de vida viáveis e positivos. Mente-se para proteger agendas pessoais ou interesses corporativos. Mente-se para manipular ou alimentar clientelas que sirvam de patamar para o poder, os poderes, pequenos ou grandes e de natureza diferenciada.
Mente-se para fazer ou pedir um "jeitinho". Mente-se para legitimar decisões incompreensíveis. Mente-se para vender ilusões ou promessas. Mente-se por comodismo e porque a verdade magoa. Até existem as mentiras piedosas, mente-se para proteger as pessoas de males maiores, dizemos.
São mentiras demais.
Um dia destes, alguém se lembrará de instituir um Dia da Verdade. Nessa altura vamos ver como reagimos à verdade a que já não estamos habituados.
Provavelmente, recusá-la-emos, já não saberemos muito bem como lidar com a verdade.
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