Nos últimos tempos o ensino superior tem entrado
na agenda pelas más razões. Na verdade, embora tenham surgido algumas referências
ao mérito da investigação realizada em algumas instituições, as notícias são
sobretudo sobre as dificuldades dos estudantes e suas famílias em conseguir
suportar os encargos com a formação. Hoje, com chamada a primeira página, o
Público fala do crédito malparado que as Universidades reclamam junto de
estudantes e que representa uma verba significativa para muitas instituições.
Há dias a hierarquia da Igreja Católica expressava
publicamente a sua preocupação com a situação de abandono de muitos estudantes
do ensino superior devido às dificuldades económicas. Também recentemente se
divulgou que o número de estudantes do ensino superior com bolsa de estudo
voltou a descer, é cerca de 56 000, e está ao nível do ano 2000 quando
frequentavam este nível de ensino menos 20 000 estudantes que actualmente. Tal
mudança parece decorrer das dificuldades económicas conjugadas com alterações
no Regulamento de atribuição das bolsas verificadas nos últimos dois anos.
Também há pouco o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas aprovou
uma recomendação no sentido de que as instituições de ensino superior possam
aumentar em 30 € o valor anual das propinas com o objectivo de apoiar
estudantes em dificuldades.
As dificuldades pelas quais passam muitos
estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público,
quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, considerados
frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento
parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem
supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Segundo um estudo da Universidade do Porto, quase
um quarto dos seus alunos abandona o curso durante os três primeiros anos. Os
números dos diferentes cursos têm variações acima ou abaixo do valor médio, mas
são muito elevados. Embora existam outros factores contributivos, as
dificuldades económicas parecem constituir a razão fundamental para esta enorme
taxa de abandono situação que ontem foi colocada ao Primeiro-ministro no debate
parlamentar.
Também um inquérito envolvendo estudantes de todo
o país coordenado pela Associação Académica da UTAD, apurou que 48% dos
inquiridos já passaram por dificuldades económicas e cerca de 65% temem
abandonar o curso em consequência das dificuldades.
Recordo ainda um trabalho recente realizado pelo
Público junto de um grupo significativo de estabelecimentos de ensino superior,
em que se constatou que, face a igual período do ano passado, aumentou em 6% o
número de desistências do ensino superior por efeitos da crise. Esta
percentagem corresponde a cerca de 3300 estudantes o que é significativo. As
dificuldades económicas, a dificuldade no acesso a bolsas e o aumento de
propinas são os motivos identificados.
Os estudos internacionais têm evidenciado uma característica
persistente no sistema educativo português, o ainda baixo impacto da educação
na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem em grupos
sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores níveis de
qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, a redução significativa das
bolsas e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o
desemprego mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão
para continuar os estudos, a que acrescem as elevadas propinas, designadamente
no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a realização de percursos escolares que
promovam mobilidade social e que se traduz, por exemplo, no aumento das
desistências.
Quando se espera e entende que a minimização das
assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço e
as dificuldades actuais, longe de as combater, alimenta-as.
É preocupante.
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