No Público, o presidente do Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos e o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), referem a situação devastadora da existência de pessoas que faltam a consultas e a sessões de tratamento de rádio e quimioterapia por dificuldades económicas. Estas dificuldades resultarão, de acordo com os especialistas, do quadro adverso que muitas famílias atravessam, a sempre presente crise, mas também das restrições e cortes nos apoios do Ministério para o transporte dos doentes. Este cenário com repercussões individuais e familiares severas deveria merecer a maior das atenções.
Há poucas semanas também na imprensa se descrevia um retrato devastador do estado dos serviços de saúde na região alentejana, interior e litoral. Em síntese, gente sem dinheiro ou meios para se deslocar a consultas, mesmo de urgência, troca de produtos básicos por medicamentos, carências de toda a ordem, recursos humanos e outros, nos centros de saúde, o que compõe um quadro assustador e, provavelmente extensível a outras zonas do país.
Por mais que nos incomode, creio que não consegue surpreender-nos. A área da saúde foi identificada como uma das que mais cortes no orçamento para 2012. Estes cortes têm atingido diferentes áreas da prestação dos cuidados de saúde.
A preocupação com a doença, sobretudo numa população envelhecida, está permanentemente na cabeça das pessoas e, naturalmente, não estou a falar de hipocondria. Se a este peso acrescer o facto de que não terem um médico de família acessível, que conheçam, que as conheça e com quem, desejavelmente, mantêm uma relação de confiança as pessoas sentem-se fortemente vulneráveis e impotentes. Acresce que muitas destas pessoas não terão grandes possibilidades de recurso a serviços privados.
Ainda não há muito, o Director da Escola Nacional de Saúde Pública referia o risco de se verificarem situações de ausência de consulta ou tratamento por falta de condições financeiras, quer no que respeita aos serviços, quer por dificuldades das próprias pessoas. Os trabalhos que vão surgindo na imprensa ilustram isso mesmo, de forma dramática.
Em segundo lugar, quando tanto se fala no estado social, nos limites desse estado, a privatização de serviços, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde são ameaçadores. Também vários especialistas em saúde pública alertaram para a relação entre as circunstâncias difíceis que atravessamos e o aumento atípico de óbitos nas últimas semanas atingindo sobretudo idosos e não explicados unicamente pela gripe ou pelo frio.
Como afirma Michael Marmot, que recentemente esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" seja de repensar, pela nossa saúde.
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