terça-feira, 17 de abril de 2012

ABANDONAR A FORMAÇÃO É PERDER O FUTURO

A hierarquia da Igreja Católica expressa publicamente a sua preocupação com a situação de abandono de muitos estudantes do ensino superior devido às dificuldades económicas. Dadas as implicações deste cenário preocupante, retomo algumas notas já aqui deixadas.
Há dias foi notícia que o número de estudantes do ensino superior com bolsa de estudo voltou a descer, é cerca de 56 000, e está ao nível do ano 2000 quando frequentavam este nível de ensino menos 20 000 estudantes que actualmente. Tal mudança parece decorrer das dificuldades económicas conjugadas com alterações no Regulamento de atribuição das bolsas verificadas nos últimos dois anos. Também há pouco o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas aprovou uma recomendação no sentido de que as instituições de ensino superior possam aumentar em 30 € o valor anual das propinas com o objectivo de apoiar estudantes em dificuldades.
As dificuldades pelas quais passam muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, considerados frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Segundo um estudo da Universidade do Porto, quase um quarto dos seus alunos abandona o curso durante os três primeiros anos. Os números dos diferentes cursos têm variações acima ou abaixo do valor médio, mas são muito elevados. Embora existam outros factores contributivos, as dificuldades económicas parecem constituir a razão fundamental para esta enorme taxa de abandono.
Também um inquérito envolvendo estudantes de todo o país coordenado pela Associação Académica da UTAD, apurou que 48% dos inquiridos já passaram por dificuldades económicas e cerca de 65% temem abandonar o curso em consequência das dificuldades.
Recordo ainda um trabalho recente realizado pelo Público junto de um grupo significativo de estabelecimentos de ensino superior, em que se constatou que, face a igual período do ano passado, aumentou 6% o número de desistências do ensino superior por efeitos da crise. Esta percentagem corresponde a cerca de 3300 estudantes o que é significativo. As dificuldades económicas, a dificuldade no acesso a bolsas e o aumento de propinas são os motivos identificados.
Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas que de natureza científica, curricular ou de mobilidade envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar o 2º ciclo que em muitas instituições tem custos significativos, entrando num cenário a que alguns chamam o funcionamento do mercado.
Seria ingenuidade excessiva não perceber que as leis do mercado, sempre o mercado, teriam de chegar também ao ensino superior público e também entendo que compete a estudantes e famílias uma parte importante no investimento na formação e qualificação profissional.
No entanto, conhecendo o tecido social e cultural português, longe obviamente dos modelos americanos que alguns defendem, temo que esta entrega às leis do mercado e às capacidades das famílias, alimentem algo que é, ainda, uma característica do sistema educativo português e que os relatórios internacionais reconhecem, o baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, a redução significativa das bolsas e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar os estudos, a que acrescem as elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e que se traduz, por exemplo, no aumento das desistências.
Quando se espera e entende que a minimização das assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço e as dificuldades actuais, longe de as combater, alimenta-as.
É preocupante.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma sociedade que se baseia na caridade em vez da solidariedade está condenada.

Enquanto isso o Pedro Mota Soares vai de Vespa e a Assumção Cristas reza.

Abençoados sejam os pobres de espírito porque é deles o Reino dos Céus.

Abraço
António Caroço