A imprensa dos últimos dias tem referido
como a política fiscal penaliza de forma muito significativa as famílias de classe média com filhos. Aliás, Portugal foi um dos países em que a carga fiscal
mais aumentou segundo relatório da OCDE há dias divulgado.
Nada de novo, estamos habituados,
é a classe média a destinatária principal de medidas de incremento da receita
fiscal, seja por via dos impostos sobre o consumo, seja através dos impostos sobre
o rendimento. Para além da assimetria assim promovida e reconhecida, no caso
particular dos agravamentos penalizadores de casais com filhos, existe ainda a
consequência óbvia de desmotivar e desincentivar as famílias para o alargamento
do seu agregado, ou seja, se às famílias cortam nos rendimentos disponíveis e
penalizam a existência de filhos, estas cortam ... nos filhos agravando o
inverno demográfico que atravessamos.
Como também tem sido noticiado,
disparou o número de famílias que são obrigadas a entregar as suas casas às
instituições de crédito por impossibilidade de cumprimento dos empréstimos.
Estão a aumentar fortemente, quando tal é possível as situações de reagrupamento
familiar por dificuldades económicas. De facto, começa a verificar-se algo que
há muitos anos estava em perda para muita gente, a convivência de duas e três
gerações sob o mesmo tecto e em condições económicas vulneráveis.
Todo este cenário faz emergir uma
classe imensa, uma onda, que se pode converter numa espécie de tsunami social,
a dos "novos pobres", muitos milhares de pessoas que
apesar de terem emprego, têm salários extremamente baixos e que, mercê dos
cortes e aumentos realizados, se sentem e vivem numa condição de pobreza não
antecipada, pelo que cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar
de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego mas também decorrentes, à falta de
qualidade do emprego, aumento de impostos e perdas salariais. São pessoas que
se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e
social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente
extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades ainda se
torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade
das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das
dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos
que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a
esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em
causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha,
exactamente por uma questão de dignidade roubada.
É neste quadro, a forma como a
dignidade está ameaçada e as condições de vida das pessoas, que me parece importante centrar a reflexão
sobre os tempos que atravessamos e a necessidade de política destinadas às
pessoas e não aos mercados.
A pobreza, a exclusão e a
dignidade ameaçada não serão em qualquer circunstância fonte de riqueza e bem estar.
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