quinta-feira, 26 de abril de 2012

AS PESSOAS EM RECESSÃO

A imprensa dos últimos dias tem referido como a política fiscal penaliza de forma muito significativa as famílias de classe média com filhos. Aliás, Portugal foi um dos países em que a carga fiscal mais aumentou segundo relatório da OCDE há dias divulgado.
Nada de novo, estamos habituados, é a classe média a destinatária principal de medidas de incremento da receita fiscal, seja por via dos impostos sobre o consumo, seja através dos impostos sobre o rendimento. Para além da assimetria assim promovida e reconhecida, no caso particular dos agravamentos penalizadores de casais com filhos, existe ainda a consequência óbvia de desmotivar e desincentivar as famílias para o alargamento do seu agregado, ou seja, se às famílias cortam nos rendimentos disponíveis e penalizam a existência de filhos, estas cortam ... nos filhos agravando o inverno demográfico que atravessamos.
Como também tem sido noticiado, disparou o número de famílias que são obrigadas a entregar as suas casas às instituições de crédito por impossibilidade de cumprimento dos empréstimos. Estão a aumentar fortemente, quando tal é possível as situações de reagrupamento familiar por dificuldades económicas. De facto, começa a verificar-se algo que há muitos anos estava em perda para muita gente, a convivência de duas e três gerações sob o mesmo tecto e em condições económicas vulneráveis.
Todo este cenário faz emergir uma classe imensa, uma onda, que se pode converter numa espécie de tsunami social, a dos "novos pobres", muitos milhares de pessoas que apesar de terem emprego, têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos realizados, se sentem e vivem numa condição de pobreza não antecipada, pelo que cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de  desemprego mas também decorrentes, à falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
É neste quadro, a forma como a dignidade está ameaçada e as condições de vida das pessoas,  que me parece importante centrar a reflexão sobre os tempos que atravessamos e a necessidade de política destinadas às pessoas e não aos mercados.
A pobreza, a exclusão e a dignidade ameaçada não serão em qualquer circunstância fonte de riqueza e bem estar.

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