segunda-feira, 30 de abril de 2012

QUANDO A TERRA CRIA SANGUE

Durante este fim de semana no Meu Alentejo, a lida, que é sempre variada e tem por onde escolher embora o tempo dite prioridades, contemplou a criação de umas casas de melão sempre com a esperança que os consigamos provar antes da bicharada com quem divido o monte, numa espécie de cooperação forçada, nós plantamos e a bicharada come, melros, pardais, coelhos, saca-rabos, codornizes, uma ou outra raposa que por lá passa, enfim, uma concorrência que se aceita mas exaspera.
No fim, o Mestre Marrafa deu um jeito na terra para deixar as casas de melão de modo a serem regadas. Perguntei-lhe se era necessário regar pois sempre houve melão de sequeiro no Alentejo.
O Velho explicou, naquele jeito sorridente com os olhos pequenos e pretos a brilhar. No tempo em que chove muito, o melão aguenta-se de sequeiro, mas tem que levar uma charruada funda. O melão gosta de uma charruada funda, a terra fica fabricada e quando chove, a água entra fundo e a terra cria sangue. Se não for uma charruada funda a água não entra muito, seca depressa e o melão não aguenta sem rega, a terra não cria sangue para o melão.
Fiquei a olhar para ele e a pensar como, provavelmente, a metáfora do sangue que a terra cria, mas só com uma charruada funda, não tem a ver só com melões. Tem tudo a ver com connosco, com as pessoas.
Nos tempos que vivemos, em que quase tudo é pressa, quase tudo é imediato, quase tudo é transitório, quase tudo é de plástico, nem sempre passamos por uma charruada funda para nos fazermos mais pessoas.
Se bem repararmos, logo de pequenos, temos a enorme tentação  e incentivo para que nos construamos com base em dimensões ligeiras, consumos ligeiros, vidas ligeiras,  com nuvens passageiras que logo secam e outras aparecerão, igualmente leves, substituindo as primeiras, num frenesim sem paragem.
Assim, a vida não cria sangue, não tem substância que a alimente a sério, de forma sólida,  capaz de aguentar os tempos até se fazer grande.
Ficam vidas pequenas, não medram. Não criam sangue que as alimente.

1 comentário:

anónimo paz disse...

Já Miguel Torga, o poeta da Terra,nos dizia neste poema que todo o EMPENHO é SOFRIMENTO.


Mas todo o semeador
Semeia contra o presente
Semeia como vidente
A seara do futuro
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.

Também se aplica à vida das pessoas.


saudações