No Público de hoje encontra-se uma peça interessante e importante sobre o universo educativo familiar, designadamente a dificuldade que alguns pais sentem na definição de regras e limites paras as crianças transformando-as em pequenos ditadores, como refere a peça. Aliás, esta expressão já deu título a uma obra sobre esta matéria da autoria de Javirer Urra.
Na verdade e dada a importância desta questão, os últimos tempos têm aparecido diversas obras, sob diferentes perspectivas, destinadas a pais que versam o problema, dizem, da autoridade e centradas sobretudo na questão do não e de como os pais devem dizer não aos filhos. Percebe-se obviamente o porquê desta onda, é comum a afirmação de que os miúdos não têm regras, não reconhecem limites e que, em consequência, são indisciplinados e birrentos. Eu próprio, afirmo frequentemente que não estamos a ajudar os mais novos a lidar com o não. Só que, do meu ponto de vista, a questão da construção de regras e de limites é mais do que um conjunto de procedimentos parentais realizados com maior ou menor eficácia.
Em primeiro lugar é essencial reafirmar que bem mais do que um discurso da pediatria ou da psicologia, o Não é uma Necessidade Fundamental dos miúdos. Perceber os limites e as regras é, insisto, uma necessidade imperativa para o seu desenvolvimento equilibrado, não é novo, não é uma moda. Este entendimento é, naturalmente, expresso pelos especialistas ouvidos no trabalho jornalístico. Assim sendo, então porque se perdeu a capacidade observável de levar muitos dos mais novos a essa percepção clara de limites e regras de que, por vezes, não gostam mas de que precisam? E porque se diz que cada vez a situação é mais complicada?
Esta reflexão, menos presente nas obras sobre a matéria, mais direccionadas para procedimentos por parte dos adultos, sobretudo pais, é que me parece essencial. Tenho para mim que, de mansinho, este quadro se instalou porque nós os adultos, fruto de modelos sociais, económicos e culturais assumido nas últimas décadas, começámos a perder o sentido das regras e dos limites, a confundir o ser com o ter e a querer ter já, a não suportar a espera, numa espécie de “carpe diem” existencial e a hipotecar princípios éticos e valores que regulam a vida em comum. Poderia citar variadíssimos exemplos envolvendo o cidadão comum, que se endivida até não poder por mais um bem, muitas vezes supérfluo, que vive no meio do esquema e do “xico-espertismo” ou das lideranças políticas que se insultam em vez de debater ideias ou das lideranças económicas que ultra-liberalizando o mercado geram a pobreza e a exclusão como “danos colaterais”, todos enredados numa feia trama de pequeninos e grandes interesses.
Neste caldo seria para mim um mistério que ao educarmos os miúdos fôssemos capazes de os fazer entender e respeitar regras e limites que, muitos de nós, em bom rigor, desconhecemos.
É bom que exista material que procure ajudar os pais a serem melhores pais mas, no fundo, só somos bons pais quando somos melhores pessoas, não é, basicamente, um problema de técnicas. É por aqui o futuro, acho.
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