segunda-feira, 23 de abril de 2012

A SÍNDROME DO PÓS-MINISTÉRIO

Não acompanho suficientemente de perto a situação noutros países para ter uma perspectiva comparativa, mas existe uma espécie de síndrome em Portugal que afecta a classe política com experiência de poder. Esta síndrome, a que poderemos chamar “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro esqueci-me” é patente em muitíssimos ex-governantes oriundos dos partidos que já assumiram responsabilidades de governo. O último exemplo é de Miguel Cadilhe, ministro das Finanças entre 1985 e 1990 e sempre ligado à administração de topo. Em entrevista ao I defende um conjunto de ideias que, do seu ponto de vista, sustentam a situação que vivemos e de decisões que minimizariam as consequências negativas.
Não vou discutir o conteúdo das ideias, mas parece-me sempre curioso como se apresenta uma visão clara sobre os males e constrangimentos da área sectorial em que exerceram funções políticas, bem como, propostas de desenvolvimento e correcção visando a desejável qualidade e o progresso, depois de se ter abandonado o poder nesse mesmo sector.
A pergunta, certamente estúpida e demasiado óbvia, que me ocorre face a este tipo de discursos é “então porque não fez, porque não defendeu assertivamente as ideias agora expressas, quando teve poder para tal?” Podemos, com alguma habilidade, tentar encontrar respostas. Acabaremos, creio por definir, inevitavelmente, duas hipóteses básicas, não puderam ou não souberam, qual delas a mais animadora.
Na primeira, não puderam, implica questionar qual o poder que efectivamente o ministro detém relativamente às políticas do sector que tutela, ou seja, qual o verdadeiro nível de responsabilidade de quem assume o poder e as dificuldades para ultrapassar e gerir as corporações de interesses ameaçadas pelas mudanças. Na segunda, não souberam, dá para entender que a competência não abundará o que não me parece menos inquietante.
Em todo o caso, algum pudor e a humildade de nos explicarem porque não executaram as políticas que posteriormente defendem, seriam esclarecedoras e um bom serviço prestado à causa pública.
A questão é que muitos destes discursos que se apresentam como parte da solução, na verdade, são, foram, parte do problema.
Por coincidência, também no I, o filósofo holandês Rob Riemen, em Portugal para apresentar o seu último livro, tem uma afirmação curiosa e oportuna, "A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise".

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