domingo, 22 de janeiro de 2017

BRINCAR É MESMO UMA COISA SÉRIA

Que notícia! No JN lê-se que a Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge está a contratar um docente no âmbito de um acordo com a Fundação Lego. O candidato deverá ser “Brincalhão, provocador, curioso, de mente aberta e criativo".
Na verdade, em 2015 a Fundação Lego, ligada à empresa produtora do mítico brinquedo, vai decidiu doar cerca de cinco milhões de euros à Universidade de Cambridge. Este montante destinava-se a financiar a existência e funcionamento de uma unidade curricular “Brincar na Educação, Desenvolvimento e Aprendizagem” e de um Centro de Investigação também assim designado “Brincar na Educação, Desenvolvimento e Aprendizagem”.
Na altura o DN solicitou-me um comentário cujo sentido recupero a propósito da notícia de hoje contendo algumas ideias que aqui já tenho defendido.
À iniciativa da Lego, através da sua Fundação, não serão certamente alheios os potenciais dividendos em termos de marketing e inscreve-se numa cultura de relação entre a universidade e as empresas que se vai verificando em muitas partes o globo como forma de financiamento da própria universidade. Sobre isto não faço qualquer apreciação.
A questão que me parece de realçar é a mensagem envolvida na criação num contexto universitário de um espaço curricular e de um Centro de Investigação dedicado ao brincar, a actividade mais séria que as crianças realizam e que lamentavelmente tem vindo a ser revisto em baixa.
Na verdade, há muitos anos, lembro-me bem, ainda brincávamos na rua, melhor dizendo, ainda brincávamos. É certo que muitos de nós não tiveram muito tempo para brincar, logo de pequenos ficaram grandes. Não tínhamos muitos brinquedos, mas tínhamos um tempo e um espaço onde cabiam todas as brincadeiras.
Entretanto, chegaram outros tempos, estes tempos. Tempos que não são de brincar, são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, entendem. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.
Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
Era bom escutar os miúdos. Se perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que eles fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.

É também por isto que me parece interessante, para além dos aspectos económicos envolvidos, esta iniciativa da Universidade de Cambridge e da Fundação Lego.

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