A imprensa refere hoje que de
2015 para 2016 aumentou 6% o número de queixas à PSP e GNR por violência no
namoro. Foram recebidas 1975 participações sendo que muitos episódios não são
reportados.
Esta realidade tem vindo a
assumir proporções inquietantes e, do meu ponto de vista, não tem merecido a
atenção que a sua gravidade e prevalência justificam. Provavelmente começa por
aqui a tragédia da violência doméstica que parece indomesticável.
Recordo um trabalho da
responsabilidade da Universidade do Porto envolvendo um grupo populacional
significativo, cerca de 3000 jovens nascidos em 1990, divulgado no início de
2014 mostrava que no âmbito das relações de namoro, 60% dos jovens inquiridos
relataram pelo menos um caso de agressão psicológica, insultar por exemplo. Um
em cada três jovens também refere pelo menos um episódio de coacção sexual e 18
% referiram pelo menos um acto de violência física, bater ou arremessar um
objecto com o objectivo de atingir o outro. É ainda de registar que mais de
metade dos jovens envolvidos assume o estatuto de vítimas mas também de
agressores.
Também um trabalho da
responsabilidade da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) envolvendo
2500 jovens entre os 12 e os 18 anos mostra que 22% dos inquiridos aceitam como
normal a existência de diferentes tipos de violência no âmbito das relações
amorosas. Estes números, em linha com estudos anteriores, merecem reflexão
séria.
O estudo considera três tipos de
violência, 9% psicológica, física e sexual. No que respeita à violência física
9% considera legítima e 5% afirma já ter sofrido de agressões.
Relativamente à violência
psicológica perto de 25% considera aceitável e 8.5% já terá passado por
situações desta natureza.
Relativamente à violência sexual,
32,5% dos rapazes e 14,5% nas raparigas, 16% em média, acha normal que se force
as relações sexuais ou outro tipo de comportamentos. No entanto, apenas 4,5%
assume ter sido vítima em episódios deste tipo.
Estes números que são coerentes
com outros estudos sobre comportamentos de violência nas relações amorosas
indiciam o que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais.
Acresce que boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é
preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é
surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece
indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que
suporta os dados destes e de outros trabalhos. Aliás, nos últimos anos a
maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de
mulheres jovens.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e
obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e
reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem de
jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de
normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam
relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de
comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites
numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes
de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na
educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria.
É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares.
Entretanto e enquanto não mudo,
"só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"
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