Nos últimos dias surgiram várias
referências ao regulamento estipulado pelo Colégio de Gaia, frequentado por
alunos da educação pré-escolar ao secundário, em que entre várias outras
proibições se definia a expressa proibição de correr "quer chova quer faça sol" ou que, quanto aos "carinhos", "devem tê-los fora das instalações do colégio".
As proibições terão suscitado reacções negativas por parte de alguns alunos e pais.
A questão das proibições em
educação é e será sempre objecto de controvérsia. Aqui fica mais um contributo
recorrendo a ideias que muitas vezes afirmo.
Em primeiro lugar importa
reafirmar que limites e regras são um bem de primeira necessidade no
desenvolvimento e educação de crianças e adolescentes. Em segundo lugar
reafirmar não sendo um processo fácil, longe disso, em muitas famílias e também
em instituições educativas a definição de regras e limites e o seu cumprimento
se torna particularmente difícil. Diariamente assistimos a exemplos dessa dificuldade.
A proibição de correr, para
crianças e adolescentes, ou ou a definição de que os carinhos são para fora das instalações, assim enunciadas e dentro de uma instituição educativa
parecem-me um disparate que nem discuto. Parece-me mais pertinente e adequado
reflectir na forma de promover comportamentos adequados sem que a proibição
seja o instrumento único para tal efeito e a definição de regras e limites
assente menos no que NÃO se pode fazer e mais NO QUE se deve fazer e no COMO se deve fazer promovendo
a decisão e escolha das crianças no sentido de assim proceder. Dito de outra maneira, a questão
essencial remete para uma outra matéria de natureza mais vasta e importante, a
autonomia das crianças e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou
falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma
" ... queria que me ajudassem para
que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que
aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de
vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num
processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si
própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha.
Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das
crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no
fundo, a velha ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que
adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades,
questões de segurança por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma
forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A
rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os
limites, as experiências da vida escolar são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia. A construção de regras e limites inscreve-se
neste processo bem como a percepção das implicações do seu não cumprimento.
Acontece que crianças e jovens
são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente
importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo
pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito
cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do
que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre
o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta,
companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um
adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente
dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para
um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só crianças e jovens autónomos, autodeterminados,
serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de
forma ajustada o que fazer e como fazer, o que sublinha a importância de em
todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se
estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está
pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou
escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e
adultos. Mais do que ler num qualquer regulamento "É expressamente proibido correr dentro do colégio, quer chova, quer
faça sol" ou que os "carinhos" são para usar do lado de fora da instituição.
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