quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O FRIO DA INFÂNCIA

Na imprensa de hoje as referências a propósito da morte de Mário Soares são já de reduzida dimensão. Estes dias foram dias exemplares, mostraram o que temos de melhor e o que temos de pior. A violência, ignorância e preconceito de alguns comentários atingiram níveis que ainda me surpreendem como também me surpreende algum endeusamento sempre excessivo, sobretudo para quem sempre viveu e assumiu a sua humana condição.
Registei em diferentes páginas o alerta para o frio que se aproxima. Confesso que gosto de dias frios mas o frio tem muitas expressões.
Recordo-me de uma dessas expressões, o frio da infância inscrito na narrativa de Juan José Millás em "O Mundo" quando enuncia, “Quem teve frio em pequeno, terá frio para o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece”.
Na verdade, no Inverno ou no Verão existem muitos miúdos que passam frio, às vezes muito frio, e nem sempre conseguimos dar por isso. Acontece até que alguns deles sentem frio em ambientes muito aquecidos ou mesmo no Verão, como disse. Não se trata do frio que vem de fora, daquele de que falam os alertas coloridos que nos fazem os serviços competentes, é o frio que está à beira, um bloco de gelo disfarçado de família ou de instituição de acolhimento, é o frio que vem de dentro e deixa a alma congelada e quase sempre o corpo maltratado.
Do frio que vem de fora, apesar de incomodar, acho que, quase sempre, nos conseguimos proteger e proteger os miúdos, mas dos frios que estão à beira e dos que vêm de dentro nem sempre o conseguimos fazer porque também nem sempre os entendemos e estamos atentos ao frio que tolhe muitas crianças e adolescentes.
Apesar de sentir confiança na resiliência dos miúdos, expressa em muitíssimas situações de gente que sofreu e resistiu a experiências dramáticas, uns mais que outros naturalmente, parece-me fundamental que estejamos atentos aos frios da infância.
Muitas vezes, como diz Millás, quem teve frio em pequeno terá mesmo frio no resto da vida.
Quando olhamos para muitos adultos à nossa volta parece também claro o frio que terão passado na infância.

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