O Ministro do Planeamento e das Infraestruturas
informou que os estudos técnicos estão avançados e que a decisão respeitante à
provável utilização da base do Montijo como complemento ao Aeroporto Humberto
Delgado está para breve.
Esta narrativa sobre a resposta à
insuficiência do Aeroporto Humberto Delgado recordou-me o famoso discurso do
então Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, que
questionado sobre a hipótese Margem Sul exclamou um inesquecível “Jamais”, argumentando
que se tratava de um deserto. Na altura escrevi uma carta aberta ao Eng. Mário
Lino que não resisto a divulgar de novo lembrando que estávamos
em 2007.
Com a vossa licença:
Excelência,
Apelando à sua generosidade apresento-lhe a seguinte situação.
Por azares da fortuna acabei por nascer e viver no Deserto da Sara,
como sabe o petit nom da margem sul do Tejo. Estou num trágico inferno Senhor
Ministro. Os meus filhos engrossam as estatísticas que envergonham o nosso país
e a sua colega Ministra da Educação pois, por falta de escolas, estão
condenados ao analfabetismo. Todos os dias temos alguém conhecido ou familiar
que falece por falta de assistência pois hospitais… não existem O seu colega
Ministro da Saúde tem aqui a tarefa facilitada pois não se pode fechar o que
nunca abriu. Como sabe, não temos indústria e comércio e, no deserto, a
agricultura é residual pelo que poucos trabalham aqui no Deserto da Sara. Mesmo
assim, os poucos que o fazem têm de percorrer longuíssimas distâncias até
chegar ao Portugal rico e desenvolvido da Margem Norte. Até estas viagens são
infernais pois, como muito bem sabe Vossa Excelência como Ministro das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações, não temos estradas, nem pontes,, as carroças são
lentas e a travessia do Tejo torna-se difícil porque os barcos não ajudam. O
nosso ordenamento territorial obedece às leis do deserto pelo que não temos
cidades, apenas aldeias e tão dispersas que nem as grandes superfícies chamadas
Centros Comerciais aqui se instalam. Embaraça-nos muito, também, o isolamento
em que vivemos pois quando, por milagre, alguém se lembra de vir ao Deserto da
Sara não pode ficar devido à inexistência de hotéis, embora tenhamos numa
aldeia chamada Costa da Caparica, uns parques de campismo muito jeitosos que
Vossa Excelência já visitou num safari que fez pelo Deserto da Sara, aquando da
revolta do mar e dos estragos que causou.
Como vê Excelência, é o inferno. Quando, com a ajuda de um familiar
rico ou com algum subsidiozinho dado pelo governo a que Vossa Excelência
pertence, oferecemos um presente aos nossos filhos, quase sempre optamos por
“kits de sobrevivência”. É por isso que me dirijo ao Senhor Ministro no sentido
de me ajudar. Um primo da cunhada do tio da minha mulher falou-me que existe
uma terra chamada Ota que fica situada numa região chamada Éden onde existe
tudo, mas mesmo tudo, o que pode fazer feliz uma família preocupada com o
bem-estar dos seus filhos. Parece que só falta mesmo um aeroporto mas, disse-me
esse familiar, o Senhor comprometeu-se pessoalmente a construí-lo. Só lhe pedia
então um emprego para sair aqui do Deserto da Sara e dar à minha família o que
merece. Ajeito-me em qualquer coisinha e, se tiver dificuldade, peço ajuda a
uma daquelas pessoas que vêm do Leste que são doutores e sabem fazer de tudo e
que agora vêm para as nossas obras. Como vê peço pouca coisa. Em troca prometo
o meu voto e o da família, prometo rir-me das graças sobre a sua inscrição na
Ordem dos Engenheiros, e, muito importante, não farei queixa dessas graças.
Queira, Senhor Ministro, aceitar os meus agradecimentos pela atenção que
possa dispensar a esta trágica situação.
Seu, José Marques
Almada, Maio de 2007
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