Meu caro Ano Novo,
Em primeiro lugar, em nome da
hospitalidade e do bem receber que caracteriza os portugueses é com a maior
satisfação que, como de costume, te dou as boas vindas ainda que, devo
confessar, tal como no ano passado com alguma apreensão.
O prazo de validade do Ano Velho
terminou e chegaste, sejas bem aparecido. Não te conheço e portanto não sei
exactamente a experiência que possuis, mas creio que como todos os novos não
será muita, é assim a vida não há volta a dar.
Não te quero assustar mas não
vais ter tarefa fácil, antes pelo contrário, e parece-me útil que possas
conhecer um pouco da realidade que te espera, pelo menos aqui em Portugal, para
que te possas organizar no sentido de fazeres o melhor possível.
Vais encontrar algumas mudanças.
Temos um Governo assente numa
fórmula de apoio política que é inédita e em que pouca gente acreditava
funcionar, até lhe chamaram a geringonça. Vais, aliás perceber que gostamos de
dar nomes ao que já tem nome.
Contrariamente ao que se
anunciava, houve até gente responsável que vislumbrava a chegada do diabo, a
coisa não tem corrido muito mal e até aquela gente lá de fora, União Europeia e
representantes dos mercados financeiros têm achado há alguma diferença para
melhor.
Do meu ponto de vista, acho
apesar de na vida das pessoas os reflexos não serem tão positivos quanto
desejável respira-se um armais tranquilo menos crispado, mas verás.
Entretanto seria bom que pudesses
dar uma ajuda bem que precisamos. Estranhamente existe um pessoal que parece
desejar que tudo corra mal mas vais ter que te habituar, nós portugueses somos
gente complicada.
Também é importante saberes que durante
o teu mandato vais ter umas eleições, a que, não estranhes mais uma vez,
ninguém parece dar atenção mas todos estão preocupados. Trata de eleições para
as autarquias e estamos ainda na contagem das espingardas e no estudo da
coreografia para a dança das cadeiras. Verás a seu tempo, será lá para depois
do Verão.
Tudo te irá parecer estranho mas,
lá está, com o tempo vais perceber que nós somos assim.
Logo de início, é bom que saibas
que devido à devastadora situação económica que atravessámos nos últimos anos fruto
do mau trabalho de uma rapaziada que por aí tem andado e dos maus hábitos que
adquirimos, alguns de nós é claro, as expectativas sobre ti são, lamento
dizê-lo, fracas, muito fracas.
Estás a ver o que te espera Ano
Novo. Bom mas tu és novo, vais estar “cá para o que der e vier” e eu quero
confiar em ti. Sabes, aqui para nós, sou avô do netos mais bonitos do mundo, trabalho
no universo dos mais novos pelo que sou obrigado, por eles e em nome deles, a
ser optimista, conto contigo.
Em termos genéricos posso
dizer-te que, de acordo com os estudos, somos um povo triste, desconfiado e sem
grande esperança no futuro, o que também é animador como vês. No entanto, para
compensar, gostamos de parecer uns “gajos porreiros” e bem-dispostos e
adoramos, como vês por esta carta, dizer mal de nós.
Quem nos governa passa o tempo a
dizer que somos o melhor povo do mundo, a gente percebe. Continuamos ainda atordoados
com uma carga fiscal pesada como nunca tivemos e … cá vamos, esperando que …
pior não fique.
É também muito importante que
saibas que temos uma especial inclinação pelo “esquema” ou, como também se diz,
“dar um jeitinho”, vais ver a quantidade de jeitinhos que te vão pedir à
chegada e a quantidade de “esquemas” a que vais assistir ao longo da tua
estadia por cá. Aliás, para além daqueles esquemas a que já nem ligamos,
imagina que um antigo Primeiro-ministro esteve preso e agora aguarda em liberdade o
desenvolvimento do processo. Perguntarás porquê e a resposta é …. esquemas.
Um dos maiores, senão o maior
grupo económico e financeiro português implodiu com custos brutais que ainda
nem estão contabilizados, perguntarás porquê … esquemas claro. Os bancos têm
estado a implodir e vão salvando os interesses da gente grande à custa,
adivinha, … isso mesmo, da gente pequena.
Uns tipos com altos cargos na
administração pública, estão acusados, adivinha? Isso mesmo, esquemas.
Também é importante que saibas
que a maioria das vezes destas coisas resulta … nada. Um povo como nosso, com
uma fortíssima matriz judaico-cristã, dá um enorme valor ao perdão, serão,
pois, perdoados e … seguem os esquemas.
Normalmente, temos um governo
que, tal como qualquer outro que temos tido, acha que faz tudo bem e é
incompreendido por toda a gente e temos uma oposição que acha que o governo faz
tudo mal, mas não percebemos muito bem o que faria se fosse governo, porque
quando é governo a situação é mais ou menos a mesma e acabam por, basicamente
responder perante um sindicato de interesses dos chamados mercados,
independentemente de quem, nós, os elegeu.
Adoramos auto-estradas, rotundas
e centros comerciais. Temos três portugueses que se acham os melhores do mundo
mas dois emigraram, o Cristiano Ronaldo, também conhecido por "CR7" e
o José Mourinho, o "Special one" e o terceiro anda por aí, chama-se
Marcelo Rebelo de Sousa e é agora o nosso Presidente da República: Vais
conhecê-lo rapidamente, anda sempre por aí de um lado para o outro a tirar “selfies”.
Acredito que ainda não saibas o que é mas rapidamente vais perceber.
É verdade que existe muita gente
com obra grande na ciência e na cultura mas por cá são matérias de pouco
relevo, talvez possas fazer alguma coisa. Aliás, boa parte deles tem abandonado
país, não vislumbram por cá um futuro que os segure.
Vais ficar surpreendido com
algumas figuras que conhecerás ao longo da tua estadia. Não te falo de ninguém,
será mais interessante que vás conhecendo essas figuras e vamos falando.
No entanto, meu caro Ano Novo, se
estiveres atento, vais perceber que somos um país de poetas que, como sabes,
são uns fingidores. Por isso, deves ter reparado que à tua chegada encontraste
o povo aos pulos e com ar de contente a olhar para o fogo-de-artifício, uma das
nossas paixões, apesar da situação que te descrevi sinteticamente.
Renovo os votos de boas vindas e
de bom trabalho. Se precisares de alguma coisa, estás à vontade, dispõe.
Um abraço deste velho que sempre
espera que o Ano Novo venha melhor.
Zé Morgado, 1 de Janeiro de 2017
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