terça-feira, 31 de janeiro de 2017

UMA HISTÓRIA SEM JUSTIÇA

O Tiago entrou na biblioteca da escola com ar de quem tinha ouvido alguma coisa que não o convenceu. O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, foi ter com ele e estranhou a cara.
Então Tiago, passa-se alguma coisa?
Velho, estivemos numa aula com a DT a discutir sobre o que é a justiça e ser justo. Mas fiquei um bocado baralhado com a conversa. Escuta lá, os professores são justos?
Eu acho que os professores procuram ser justos embora, por vezes, possam ser injustos.
Também acho. Velho, os pais são justos?
Os pais são como os professores, tentam ser justos mas, às vezes, podem ser não conseguir e serão injustos.
Claro. Velho, os polícias são justos?
Tiago, é como os professores e os pais. Tenho para mim que os polícias querem fazer as coisas de forma justa mas, se calhar, não conseguem sempre.
Também me parece. Velho, as pessoas que mandam, assim na política, os políticos, são justos?
Muitas vezes não são justos, mas acham sempre que sim.
É o que diz o meu pai. Velho, aquelas pessoas que estão no tribunal, os juízes, são justos?
Tiago, embora a função deles seja ser justo, em algumas situações podem não ser.
Esquisito um juiz não ser justo. Velho, os miúdos são justos?
Eu podia dizer-te que sim mas não é verdade, os miúdos não são sempre justos.
Estás a ver Velho, foi o que eu disse à Setôra. Vocês que são velhos fizeram um mundo em que não se pode confiar em ninguém. Não é justo.

NO PÚBLICO ONLINE, "DA DIRECÇÃO DAS ESCOLAS E AGRUPAMENTOS"

No Público online umas notas sobre a direcção e gestão das escolas e agrupamentos.
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

HISTÓRIAS DO MUNDO MÁGICO DA AVOZICE

O mundo mágico da avozice tem, como todos os mundos mágicos, muitas histórias. Mais uma das pequenas Grandes histórias deste mundo encantado.
À saída do Jardim-de-infância, o Simão que está a cumprir os primeiros meses nesta nova etapa diz para a Avó:
Vó, quando fores do meu tamanho podes vir para a minha escola, é divertida.
Só mesmo os gaiatos pequenos têm a convicção de que quando envelhecemos lhes ficamos mais próximos.
Às vezes é verdade. Outras, não. Mas é ... divertido! Como a escola do Simão!

DO TRUMPISMO

Talvez tenha existido e eu desconheça mas creio que tarda uma posição formal do Secretário-geral da ONU, António Guterres, sobre as medidas de Trump relativamente a imigrantes e refugiados.
Está incubar o ovo da serpente.
Quando eclodir pode ser sério, muito sério.

PS – Bom, lê-se no DN que António Guterres já se pronunciou sobre a questão. É verdade que faz no seu jeito fofinho, com muito cuidado e sem grande músculo para não fazer ondas. A tradição ainda é o que era e o respeitinho é muito bonito. 

É curto, muito curto.

DOS AUXILIARES DE EDUCAÇÃO

Continuam a ser referenciadas as dificuldades das escolas no que respeita aos assistentes operacionais ou usando a designação que como prefiro manter, auxiliares de educação, considerando a função que de facto estes profissionais desempenham e que é de enorme relevo.
O ME adiantou a contratação de 300 técnicos através de um processo de alguma morosidade, em situações de precariedade e com um estatuto salarial pouco aceitáveis.
Já aqui tenho escrito sobre as condições em que muitos destes assistentes operacionais chegam às escolas mas estas notas são para enfatizar os riscos da insuficiência do seu número.
Na verdade, auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais, em algumas situações os assistentes operacionais serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são mesmo auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado.
Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto parece muito pertinente e um contributo para a qualidade dos processos educativos a presença em número suficiente de auxiliares de educação que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam orientados e valorizados na sua importante acção educativa.

domingo, 29 de janeiro de 2017

NA VISÃO ONLINE, "OS BRINQUEDOS E A SEGURANÇA DAS CRIANÇAS"

Umas notas na Visão online sobre a segurança das crianças. Continuamos a ser um dos países da Europa com mais acidentes que envolvem crianças.
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DEFICIÊNCIA E EMPREGO

O caso noticiado no Público é apenas mais um exemplo da vulnerabilidade extrema em que vivem as pessoas com deficiência. É ainda um caso paradigmático de desperdício de mão-de-obra qualificada que é empurrada para fora por falta de um futuro por cá.
Um estudo realizado, creio que em 2010, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.
O estudo, para além das dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem lidera nos diferentes sectores e patamares da comunidade uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

sábado, 28 de janeiro de 2017

O APOIO A FAMÍLIAS

No DN de sexta-feira divulgava-se uma iniciativa da Câmara de Leiria que desenvolve um programa de apoio a famílias com crianças com deficiências profundas. Estão empenhados estudantes do ensino superior em regime de voluntariado.
Apesar de não conhecer com profundidade os contornos do programa parece-me algo de positivo e a merecer divulgação.
A vida das famílias e das pessoas com deficiência é uma contínua prova de obstáculos, sem fim e, por vezes, inultrapassáveis, sobretudo ao nível das atitudes e das políticas em vários aspectos da vida diária. Muitas vezes vivem de forma isolada as suas enormes dificuldades, sem apoios próximos, exaustos, desgastados, sem relações de suporte familiar, sem tempo e sem esperança e inquietos com o futuro.
É verdade que existem iniciativas e movimentos com origem nos próprios pais que procuram minimizar estas dificuldades, caso das associações Pais em Rede ou Contramão, por exemplo, assumindo formas de suporte e luta por melhores respostas às crianças e jovens, bem como às famílias. No fundo, trata-se de uma luta por direitos.
Neste universo, para além das respostas eficazes e competentes nas áreas de necessidades, a construção de redes que funcionam como suporte, apoio, partilha e voz é um contributo verdadeiramente importante.
Na verdade, precisamos urgentemente de construir ou reconstruir comunidades, não só de pais, que funcionem em rede.
Também não é uma utopia, é "só" entendermos que assim deve ser.

AS CRIANÇAS E O TELEMÓVEL

No Público encontra-se a referência a um estudo da FCSH da U. Nova relativo à relação das crianças com os dispositivos como smartphones, computador televisão ou telemóveis.
Umas notas sobre um dos dados divulgados, uma em cada cinco crianças com menos de 8 anos tem telemóvel.
Nos tempos que correm é uma questão que em aberto, a idade de acesso, a natureza da utilização destes dispositivos por parte das crianças e o papel dos adultos.
Em muitos encontros com pais também esta questão é-me colocada com frequência. Recordo que uma mãe de uma criança de 4 anos que acabava de me interpelar acrescentava que a filha pedia insistentemente o telemóvel porque outros colegas da mesma idade também tinham.
Como em várias outras matérias, sair à noite por exemplo, não creio que exista a “idade certa” depende das circunstâncias de contexto, da maturidade individual, da justificação para a o uso do telemóvel, etc.
Parece razoavelmente claro que até aos 10 ou 12 anos a “necessidade” do telemóvel é mais dificilmente justificada embora também não me pareça defensável uma visão fechada.
No entanto, do meu ponto de vista, a questão é de outra natureza não decorre fundamentalmente da necessidade, decorre dos valores e cultura que se vão instalando. O telemóvel passou a ser um instrumento que TODA a gente tem e sem o qual, como vários outros bens, não se é Gente.
Neste quadro e sem surpresa os mais novos também querem ser Gente e, para isso, querem ter um telemóvel.
Deve ainda considerar-se que o comportamento de muitos pais, tempos significativos com o telemóvel ou outro dispositivo, induzem nas crianças, por um lado, a percepção que “aquilo” é para se ter, pai, mãe, toda a gente tem. Por outro lado, muitos adultos tendo o telemóvel sempre à mão entendem quase sem se dar conta que é um “brinquedo” que também pode ir para as mãos das crianças que, evidentemente, não o querem largar.
Sabemos também que o mercado, sempre o mercado, também percebe que os mais novos são um “target”, como se diz em publicidade, extremamente atractivo pelo que produzem telemóveis especialmente destinados às crianças que, naturalmente, usam todo o seu enorme e irresistível poder de persuasão e “charme” para convencer os pais a adquirir.
Como em tudo na vida das crianças são requeridos dois condimentos imprescindíveis, bom senso e regras.
Neste sentido, apesar da insistência das crianças importa que se resista ao ter (dar) tudo em qualquer altura. As crianças (muitos adultos também) precisam imprescindivelmente de saber que não se pode ter tudo, no minuto que se quer. Neste processo oferecer alternativas, “isto não mas isto sim” e não ceder pode ajudar as crianças a lidar com a óbvia frustração e, simultaneamente, a interiorizar que NÃO se pode ter tudo no tempo em que se deseja.
Depois, a partir do momento em que se acede ao telemóvel, momento que o bom senso dirá quando deve ser, importa a sua utilização com regras.
Muitas vezes aqui tenho referido que as regras, os limites, são bens de primeira necessidade para o desenvolvimento saudável das crianças. Assim sendo, também o uso do telemóvel, é disso que hoje estou a falar, deve ser realizado com regras claras e CUMPRIDAS.
A questão é que em muitas famílias, por diferentes razões que aqui já tenho escrito, nem sempre este processo de definição de regras e limites é o mais eficiente e coerente.
Não é bom para as crianças e para o seu desenvolvimento como também não é bom para os pais.
Mas é o caminho, se for preciso com ajuda de educadores, professores e técnicos.

PALAVRAS (MAL)DITAS

Passos Coelho afirmou em debate no Parlamento que o aumento do salário mínimo para 557 € é excessivo.
Posso até entender que se proceda a análises sobre o impacto económico desta medida e questioná-la mas não se pode dizer a gente que vive em Portugal ganhando 530€ que passar para 557€ é um aumento excessivo. Já terá experimentado fazer o exercício de montar um orçamento familiar com este patamar de vencimentos? Sim, eu sei que este enunciado tem uma ponta de demagogia mas dada a afirmação não é ilegítima, desculparão.
É verdade que os líderes políticos, os que verdadeiramente são líderes, não possuem, o dom da infalibilidade e da perfeição, mas não podem, não devem, afirmar tudo o que passa pela cabeça.
São palavras (mal)ditas vindas de gente sem estatura compatível com as funções que desempenham.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

SÓ AS CRIANÇAS ADOPTADAS SÃO FELIZES

A propósito da realização do III Encontro Nacional de Famílias Adoptivas e Candidatos à Adopção a realizar amanhã em Santa Maria da Feira o Expresso entrevista a responsável pela Associação Bem-me-Queres?.
A entrevista é de muito interesse centrada nos processos de adopção, nas suas particularidades e intervenientes e no quadro português nesta matéria. Justifica leitura.
Apesar da mais recente (2015) legislação em matéria de protecção de crianças e jovens em perigo sublinhar a importância da resposta acolhimento familiar quando não é possível ou enquanto não é possível a adopção ainda temos cerca de 8500 crianças institucionalizadas, um dos mais altos níveis europeus embora se tenha verificado algum progresso verificado.
Uma família que de facto o seja é um bem de primeira necessidade na vida de um miúdo. Bronfenbrenner, um autor muito conhecido na área da educação e do desenvolvimento, "Para que se desenvolvam bem, todas as crianças precisam que alguém esteja louco por elas".
Muitas vezes aqui tenho citado uma expressão que sobre estas matérias ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Pedindo às pessoas para ouvirem até ao fim o que iria dizer e não reagirem de imediato afirmou "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.
A verdade é que para além das crianças sem família também existem crianças que não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.

A PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE

Como é sabido esteve em discussão pública o Referencial de Educação para a Saúde elaborado pela Direcção-geral de Educação e pela Direcção-Geral da Saúde,
Trata-se de um texto orientador, não prescritivo, destinado ao trabalho com as crianças da educação pré-escolar e os alunos do 1º, 2º, 3º ciclos e ensino secundário no âmbito da Educação para a Saúde.
As escolas poderão desenvolver iniciativas de natureza mais transversal envolvendo outras áreas disciplinares ou conteúdos dedicados. São considerados cinco domínios: Saúde Mental e Prevenção da Violência, Educação alimentar, Actividade Física, Comportamentos Aditivos e Dependências e Afectos e Educação para Sexualidade.
No âmbito da consulta pública lê-se no Público que a maioria das participações se manifestou no sentido de dão abordar a temática da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no 2.º ciclo de escolaridade.
Não conheço as justificações mas tratando-se de matéria, educação para sexualidade, que é vista fundamentalmente através de valores, representações e pré ou preconceitos, a racionalidade que afirma que no 2º ciclo existem alunos que já podem assumir comportamentos de risco e que a informação disponibilizada de forma adequada, evidentemente, pode minimizá-los não vai mudar os discursos produzidos. As inflamadas opiniões sobre o "aborto" nas escolas mostram isso mesmo, para além de alguma falta de seriedade intelectual. Nada de novo, a discussão sobre a IVG tem sido sempre assim.
A minha questão vai noutro sentido, o que pode caber numa escola que parece não parar de engordar?
Parece-me claro que não está minimamente em discussão a importância de qualquer das matérias na formação global de crianças e jovens no entanto creio que se justificam umas notas breves.
Por diversas ocasiões tenho aqui manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que possa de alguma forma dizer envolver os mais novos deve ser ensinado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo deve ser transformado em disciplinas e conteúdos escolares, para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder.
Por outro lado, tem vindo a desenhar-se, não só em Portugal mas também em Portugal, a ideia de uma educação, de uma escola, fundamentalmente centrada em competências instrumentais, em saberes “úteis”, "essenciais" como lhes chamava Nuno Crato, destinada sobretudo a formar “técnicos” e não “cidadãos” qualificados. Os currículos são progressivamente aliviados de conteúdos que não sejam “práticos”, promotores de “produtividade”, “domínio de técnicas” como seja toda a área da formação cívica, da educação para a saúde, dos valores, das expressões e conteúdos artísticos, etc.
A escola deve formar empresários, poucos, e técnicos qualificados e de formação estreita, muitos.
Estas ideias traduziram-se, traduzem-se apesar de algumas mudanças indiciadas e afirmadas, nos conteúdos curriculares, nos modelos de avaliação, nas concepções do que deve ser o trabalho dos professores, na organização do sistema educativo, selectivo, prescritivo e incapaz de acomodar diferenças entre os alunos, etc.
No entanto e independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo a educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.
Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica ou educação para a saúde, agora em apreciação, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas" e integrar os currículos escolares.
Em princípio, independentemente dos conteúdos poderem ser mais ou menos pertinente, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, como se a escola, o currículo escolar, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda que seja de considerar.
Como é evidente, pode dizer-se sempre que os conteúdos propostos no Referencial para a Educação para a Saúde poderão integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.
A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação por parte dos professores, a formação global e não exclusivamente competências instrumentais, etc. Aliás, está em preparação o “Perfil de competências” à saída de saída para a escolaridade obrigatória elaborado por um Grupo liderado por Guilherme d’Oliveira Martins.
Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.
Na verdade, nem tudo o pode ser interessante saber terá de caber numa disciplina da escola e nem tudo o que se pode saber se aprende na escola. A dificuldade é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia, a escola que faça.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O PROFESSOR QUE NÃO SABIA ALEMÃO

Aos olhos dos alunos e independentemente das idades os professores, na sua generalidade, são figuras importantes apesar das turbulências e apreciações por que passam fruto de políticas erradas, dos discursos de alguns opinadores ignorantes, de alguns discursos de alguns que afirma falar em seu nome e que vão contribuindo para a fragilização da percepção da sua autoridade, competência e importância social.
Como ia dizendo, os mais pequenos têm uma relação engraçada com os que imaginam como fontes do que irão aprender. Reparem nesta história que me foi contada por um professor do 1º ciclo numa escola do interior centro há já alguns anos e que aqui contei em tempos.
Estava a acontecer na aula uma conversa sobre os saberes que as pessoas possuem e como diferentes pessoas têm diferentes saberes.
O professor achou por bem ilustrar o discurso com a situação de um aluno presente que, tendo vindo da Alemanha com os pais, sabia falar alemão coisa que mais ninguém no grupo sabia, nem ele.
Um dos gaiatos, não se conteve e pergunta, “O Professor não sabe mesmo falar alemão?”. Depois da resposta confirmativa, o miúdo, completamente decepcionado, não resiste, ”Chiii!! É professor e não sabe alemão”. De facto, como pode um professor não saber, o que quer que seja.
O que o miúdo ainda não sabia é que professores não são só os que sabem, são os que nos ensinam. Até a ser capazes de aprender o que eles não sabem. Como sempre digo e cada vez mais acredito, a gente ensina mais o que é do que aquilo que sabe.

OS CUSTOS DA VULNERABILIDADE

Lê-se no JN que segundo as associações e organismos dos consumidores e de doentes, os doentes crónicos e pessoas com deficiência são fortemente penalizadas pelas seguradoras no acesso a seguros de saúde e de vida.
Nada de estranho, a actividade seguradora é um negócio e quanto menos riscos melhor. Dito de outra forma, mais risco atribuído, mais caro o acesso.
A questão é de outra natureza, é os custos para muita gente insuportáveis que as situações de maior vulnerabilidade implicam.
Será provavelmente ingénuo embora simpático quere acreditar que os mercados deveriam ser solidários e socialmente empenhados.
O problema é da comunidade, nosso, e das diferentes lideranças.
Estudos e relatórios recentes têm demonstrado que, para além das dificuldades mais objectiváveis, ainda se verificam enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias, bem como outros grupos mais vulneráveis ou fragilizados fazem parte deste grupo.

OS REMADORES E OS TIMONEIROS

Houve um tempo em que as diferentes terras decidiram realizar provas de canoagem. Cada canoa tinha onze tripulantes.
Depois de várias provas verificava-se que a canoa que representava aquela terra onde acontecem coisas ficava quase sempre em último lugar. Tentando perceber a razão de tão magros resultados os responsáveis daquela terra criaram um grupo de trabalho para analisar a questão e, naturalmente, propor soluções.
A profícua, demorada e cara análise do grupo de trabalho mostrou que, de uma forma geral, as canoas das outras terras tinham um timoneiro e dez remadores enquanto a canoa da terra onde acontecem coisas tinha um director-geral, dois assessores, dois subdirectores-gerais, dois directores de serviço, três chefes de divisão e um remador.
Ao constatar tal cenário, o grupo de trabalho logo viu a razão dos sucessivos maus resultados e promoveu as mudanças necessárias. Assim, a tripulação passou a contar com um director-geral, um assessor, dois subdirectores-gerais, dois directores de serviço, quatro chefes de divisão e procederam também à substituição do remador. Acontece que nas provas seguintes os resultados continuaram a ser péssimos e sentiu-se a necessidade de se tomarem, finalmente, medidas drásticas. A toda a tripulação foi atribuído um aumento de vencimento e um prémio de produtividade à excepção do remador que foi despedido com justa causa após um processo que evidenciou inaptidão funcional.
Serve esta história para comentar a notícia relativa a uma auditoria do Tribunal de Contas à Entidade Reguladora da Saúde que, entre outras matérias preocupantes, mostrou que no quadro de pessoal existe um rácio de um dirigente por cada três funcionários, isso mesmo, um timoneiro por cada três remadores.
Esta situação decorreu de uma reestruturação interna em 2013 que mais do duplicou o número de dirigentes. Excelente trabalho de reestruturação.
Talvez seja ainda de recordar que, como sabem, continua na agenda de algumas lideranças políticas e económicas a flexibilização da legislação laboral, ou seja, a flexibilização do despedimento dos “remadores”. 
Nada de novo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A MINHA ESCOLA

Aqui de volta de uns trabalhos sobre o sucesso escolar lembrei-me desta história.

Eu gosto muito da minha escola. A minha escola é muito bonita. Também gosto muito da minha professora e ela gosta muito de nós, é nossa amiga.
Na escola aprendo coisas muito importantes para quando crescer saber. Já sei ler e escrever muito bem, até nos computadores que temos na sala. Também gosto da matemática e dos problemas. 
São muito divertidas as actividades expressivas e gosto muito de estudar o meio.
Gosto também das brincadeiras que fazemos na escola quando estamos no recreio. Quando estamos na aula a gente porta-se bem e a professora conta uma história. Os meus pais ficam muito contentes quando levo as coisas da escola bem feitas. Gosto muito dos amigos que estão na minha escola.
Eu gosto muito da minha escola.

A minha escola é uma grande ceca. É feia e velha, tem senpre coisas partidas. A professora está senpre a gritar com a jente, diz que está farta e quer ir embora, já não tem pasiência. Ensina umas coisas que já sei e depois fico destraído. Outras coisas que ela ensina não perssebo para que servem e não gosto, fico também destraído. Não gosto de escrever porque dou erros e nas contas também me engano. A professora diz que eu tenho de ir para o apoio porque tenho dificudades, mas que á muitos miúdos como eu. A escola tem muito barulho porque a jente está senpre a falar e a professora a gritar. Alguns colegas lá da escola têm um compotador mas eu não tenho, dizem que o meu pai, não sei o quê, e não me deram. Mas parésse que vão dar. Já estou farto de estar na escola. Gosto de andar à porrada nos intervalos.
A minha escola é uma grande ceca.

PS – Professora, para me dar a nota pode escolher a de cima?

José

DA DIRECÇÃO E GESTÃO DAS ESCOLAS. DE NOVO

A questão da direcção das escolas e agrupamentos entrou definitivamente na agenda. Como se recordam estão em análise na AR algumas propostas de origem partidária e de estruturas sindicais e em Dezembro foi divulgado um Manifesto subscrito por algumas individualidades. As posições expressas têm sido no sentido de repensar do actual modelo de gestão das escolas. Afirma-se no Manifesto citado que o modelo de direcção unipessoal está associado “a uma crescente desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação colectiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa” pelo que defendem a retoma da “gestão democrática” assente no anterior modelo de natureza colegial, “conselho directivo”.
Entretanto foi conhecido também um texto de opinião do Professor José Eduardo Lemos, Presidente do Conselho de Escolas que entende justamente o contrário, a adequação do modelo de gestão unipessoal, a bondade da sua forma de eleição e afirma “É necessário dizer isto de forma clara e inequívoca: ao contrário do que sugerem e afirmam alguns políticos e outras personalidades, é absolutamente falso que não haja democracia nas escolas bem como assim, que a substituição de órgãos unipessoais por órgãos colegiais garanta mais democracia na organização escolar.
Agora é conhecida a iniciativa da Fenprof de lançar um inquérito aos professores realizado a nível nacional sobre a gestão das escolas e cujos resultados serão apresentados em Março.
Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais exemplo deste cenário.
Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas mas procura acompanhar de forma atenta o universo da educação, retomo algumas notas.
Conforme tenho dito sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos conselhos gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.
Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência de dispositivos de regulação ao longo de décadas, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.
Por outro lado, importa recordar que em muitas circunstâncias a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.
Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários.
Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos.
Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da anunciada municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia de escolas e agrupamentos.
É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo.
Muitos estudos mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos.
Camões já afirmava que um fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com um gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.
Alguns episódios na contratação de docentes, de funcionários ou nos processos que envolvem técnicos e docentes envolvidos nas AECs são exemplos a ter em conta pela forma negativa como foram geridas por algumas direcções de escolas e agrupamento.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

DAS BOAS EXPERIÊNCIAS EM EDUCAÇÃO

No Público de hoje divulga-se um trabalho interessante desenvolvido numa escola do Porto, a Escola Secundária do Cerco, inscrita numa das zonas problemáticas da cidade.
A experiência foi desenvolvida duas docentes, de Educação Física e História e a colaboração de uma encenadora e actriz, integrada num projecto com o apoio da fundação Gulbenkian direccionado para novas abordagens em sala de aula.
A experiência tem decorrido com resultados bastante positivos e é também desenvolvida noutras escolas do país. Toas serão apresentadas publicamente dentro de algum tempo.
A este propósito algumas notas.
Em primeiro lugar, num tempo em que é fácil e frequente desvalorizar os professores ou a escola é fundamental e justo afirmar que em muitíssimas escolas portuguesas se desenvolvem diariamente actividades e experiências de altíssimo nível e qualidade e com efeitos positivos. 
Estes trabalhos contemplam desde a Educação de Infância ao Ensino Básico e Secundário e todos os grupos de alunos.
É ainda essencial dizer que muitas destas experiências são desenvolvidas envolvendo apenas, repito, apenas recursos das escolas e o empenho e motivação dos docentes, de direcções e, funcionários e também pais.
Lamentavelmente, muitas destas experiências não são divulgadas. Aliás, tantas vezes me acontece ouvir professores que assistem à apresentação de algumas experiências, exclamarem, “isto é o que nós fazemos”. E por que razão não o dizem? Nas mais das vezes por falta de tempo, oportunidade, lembrança ou por achar que está a fazer-se o que se pode e tal não merecerá destaque ou divulgação. É um erro, merece e seria necessário.
Por outro lado, estas experiências servem para mostrar que também em educação é preciso entender que o TINA (There Is No Alternative) é um equívoco. Sim, existem alternativas, somos capazes de fazer diferente.
No entanto, nota final, é também importante que se atentem nos recursos, na valorização do que se faz e de quem faz, na autonomia que fomente a alternativa e na criação de ambientes tranquilos e profissionalmente estimulantes para professores, técnicos, alunos e pais.
A generalidade dos professores faz a sua parte, o resto …

DA HIPERACTIVIDADE E DA DESATENÇÃO

Parece-me interessante o texto do Dr. Pedro Cabral no Público, “Défice de atenção e perturbações do comportamento na escola e em casa: medicar ou não medicar?”
É abordada a necessidade de avaliar com a devida profundidade e competência as queixas sobre eventuais dificuldades de atenção ou hiperactividade por parte de família e escola bem com preocupação central de compreender o que pode efectivamente estar induzir esses comportamentos (sintomas).
Como costumo dizer, para dar boas respostas é necessário fazer boas perguntas (avaliar)  pois risco de não acertar é grande.
Como escreve Pedro Cabral, “(…) Porque neste ignorar das causas, que a medicação pode permitir, corremos o risco sério de adiar a construção da responsabilidade, pelo próprio, na gestão das suas tarefas e objectivos. Quando a tal hiperactividade tiver desaparecido, com o tempo, podemos encontrar um jovem "imaturo" porque desatento, incapaz de trabalhar sozinho ou sem ser pressionado, indiferente aos resultados, esperando que as coisas se resolvam com o tempo. (…)
De forma simplista afirmo que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento experimentam perturbações no envolvimento.
Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos.
Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação.
A sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos tem consequências como também refere Pedro Cabral.
Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é demasiado importante.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO. É PRECISO INSISTIR

Foi hoje divulgado o manifesto dos Cidadãos contra o Acordo Ortográfico de 1990".
Trata-se de mais uma iniciativa entre várias outras que procura resistir enquanto for possível ao atropelo à Língua Portuguesa que o Acordo Ortográfico representa.
Vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.
Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.
Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence pois não me parece que o inglês e o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, experimentem particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.
De facto, não tenho conhecimento de alguma perturbação ou drama com origem nas diferenças entre o inglês escrito e falado na Inglaterra ou nos Estados Unidos, mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas. O mesmo se passa entre a comunidade dos países com o castelhano/espanhol como língua oficial.
O que na verdade vamos conhecendo com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada.
Como tenho escrito e repito, vou continuar a escrever assim, desacordadamente.

AINDA OS MANUAIS ESCOLARES

Paulo Guinote tem hoje no Público um texto sobre a questão dos manuais escolares que reentrou na agenda através de duas recentes reportagens televisivas, "Manuais escolares: Sensacionalismo e Inconsequência".
O texto merece reflexão. No entanto, para além das questões pertinentes levantadas julgo que seria útil e oportuno ir estendendo a discussão à própria utilização dos manuais em sala de aula.
Na verdade, a questão dos manuais no nosso sistema educativo, já o tenho escrito, é de importância significativa pois parece-me excessivamente "manualizado", o que tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e naturalmente económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e das respectivas fichas e instrumentos como materiais de apoio às aprendizagens e à “ensinagem” e que agravam substantivamente os custos das famílias.
Para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares.
Em muitas salas de aula, dada a natureza da estrutura e conteúdos curriculares e do estabelecimento de forma desastrada das metas curriculares, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor será, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
É verdade que a minimização da dependência dos manuais envolve um conjunto de variáveis que devem ser consideradas.
Passará por uma reorganização e flexibilização curricular, diminuindo a extensão de algumas conteúdos, por exemplo, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando, por exemplo, a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
Passará pelo ajustamento no número de alunos por turma de modo a permitir melhores níveis de diferenciação pedagógica e, assim, acomodar outros suportes ao processo de ensino e aprendizagem.
Passará ainda por maior autonomia de escolas e professores e recursos que acomodem dispositivos de apoio, voltamos às tutorias por exemplo, que diversifiquem e diferenciam as formas e materiais de trabalho bem como respondam mais eficazmente à diversidade entre os alunos.
Creio que seria importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula instalada que de forma simplista se pode enunciar, o manual formata operacionalmente o currículo, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
Não esqueço, no entanto, o peso das decisões em matéria de política educativa bem como o peso económico deste mercado.

POR ONDE ANDA O JUÍZO DE ALGUNS JUÍZES?

Em Junho de 2015 o Tribunal de Vila Viçosa decidiu condenar um indivíduo a dois anos e meio da prisão por violência doméstica. Foi proposta a suspensão da pena mediante o compromisso de um tratamento ao alcoolismo.
A condenação assentava em injúrias e acusações, discussões frequentes e por ter agarrado a mulher pelo pescoço.
Há algumas semanas o Tribunal da Relação de Évora decidiu absolver o homem por entender que os factos não configuram o crime de violência doméstica. Cito do acórdão divulgado no CM, "Não é do mero facto de o arguido consumir bebidas alcoólicas ou de tomar uma ou outra atitude incorreta para com a ofendida (por exemplo ir "tirar dinheiro" da carteira desta), ou de, numa ocasião, após um insulto da ofendida, ter agarrado o pescoço ou de perante a recusa sexual o arguido pensar e verbalizar que a mesma tinha amantes (...) que podemos concluir pela existência de um maltrato da vítima, no sentido tipificado no preceito incriminador de violência doméstica.".
Não é possível ler esta decisão de um tribunal de recurso sem um sobressalto,
Por onde anda o juízo de alguns juízes? Também assim se se contribui para que a violência doméstica permaneça indomesticável.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.

domingo, 22 de janeiro de 2017

BRINCAR É MESMO UMA COISA SÉRIA

Que notícia! No JN lê-se que a Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge está a contratar um docente no âmbito de um acordo com a Fundação Lego. O candidato deverá ser “Brincalhão, provocador, curioso, de mente aberta e criativo".
Na verdade, em 2015 a Fundação Lego, ligada à empresa produtora do mítico brinquedo, vai decidiu doar cerca de cinco milhões de euros à Universidade de Cambridge. Este montante destinava-se a financiar a existência e funcionamento de uma unidade curricular “Brincar na Educação, Desenvolvimento e Aprendizagem” e de um Centro de Investigação também assim designado “Brincar na Educação, Desenvolvimento e Aprendizagem”.
Na altura o DN solicitou-me um comentário cujo sentido recupero a propósito da notícia de hoje contendo algumas ideias que aqui já tenho defendido.
À iniciativa da Lego, através da sua Fundação, não serão certamente alheios os potenciais dividendos em termos de marketing e inscreve-se numa cultura de relação entre a universidade e as empresas que se vai verificando em muitas partes o globo como forma de financiamento da própria universidade. Sobre isto não faço qualquer apreciação.
A questão que me parece de realçar é a mensagem envolvida na criação num contexto universitário de um espaço curricular e de um Centro de Investigação dedicado ao brincar, a actividade mais séria que as crianças realizam e que lamentavelmente tem vindo a ser revisto em baixa.
Na verdade, há muitos anos, lembro-me bem, ainda brincávamos na rua, melhor dizendo, ainda brincávamos. É certo que muitos de nós não tiveram muito tempo para brincar, logo de pequenos ficaram grandes. Não tínhamos muitos brinquedos, mas tínhamos um tempo e um espaço onde cabiam todas as brincadeiras.
Entretanto, chegaram outros tempos, estes tempos. Tempos que não são de brincar, são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, entendem. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.
Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
Era bom escutar os miúdos. Se perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que eles fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.

É também por isto que me parece interessante, para além dos aspectos económicos envolvidos, esta iniciativa da Universidade de Cambridge e da Fundação Lego.

sábado, 21 de janeiro de 2017

GOSTEI DE LER "UMA COMUNICAÇÃO SOCIAL CADA VEZ MENOS PLURAL"

Um texto interessante de Pacheco Pereira sobre o jornalismo que por cá se faz.
(…)

MAIS PROFESSORES

O ME decidiu que entre 3000 e 3200 docentes contratados vão, finalmente, integrar os quadros.
A decisão é positiva, não vou discutir a justeza do número pois como já escrevi frequentemente, as necessidades de docentes do sistema educativo constituem uma questão complexa e com múltiplas variáveis que deve ser tratada pelos vários intervenientes de forma séria, competente e serena o que não tem acontecido .
Para além das oscilações da demografia que têm sido abordadas de forma habilidosa e não justificam a saída de dezenas de milhares de professores nos últimos anos, entre essas variáveis destacam-se a criação dos insustentáveis mega-agrupamentos, mudanças curriculares destinadas a poupar professores e o aumento de alunos por turma que, não servindo a qualidade da educação, reduziu o número de lugares de docentes e provocou uma longa marcha para fora a milhares de professores.
No entanto, sempre se manteve a existência de milhares de professores contratados, alguns durante décadas, para suprir eternas necessidades transitórias.
A contratação destes docentes é uma decisão positiva e espero que o processo decorra com a maior justiça e transparência
Conhecendo os territórios educativos do nosso país, sempre defendi fazer sentido que os recursos que já estão no sistema, pelo menos esses, o que inclui os contratados com muitos anos de experiência, fossem aproveitados, por exemplo, em trabalho de parceria pedagógica, para possibilitar a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. Estas medidas no âmbito de uma autonomia real das escolas seriam possíveis e um contributo importante.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos. Também se sabe que programas de tutoria desenvolvidos com tempo e recursos adequados são positivos e eficientes para lidar com estas duas questões. É ainda verdade que para que muitos alunos como NEE não estejam "entregados" nas escolas mas incluídos com apoios adequados, com níveis de participação, aprendizagem e pertença são necessários recursos.
Sendo exactamente estas questões que mais afectam o nosso sistema educativo, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais e melhores apoios aos alunos, bem como de programas de tutoria com tempo e recursos, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. Em educação, apesar da necessidade de contenção e combate ao desperdício não existe despesa, existe investimento.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

APRENDIZAGEM CONGELADA

O DN faz hoje referência a algumas escolas de diferentes zonas do país em que devido ao frio as condições de trabalho para alunos, professores e funcionários são insustentáveis. Os testemunhos são elucidativos.
De facto, como muitas vezes tenho referido, para a festa, como a ex-ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues chamou à intervenção da Parque Escolar nas escolas portugueses, não existiram convites suficientes. Uma espécie de revisita à história da Gata Borralheira sem um fim bonito, a fada não apareceu.
Muitas escolas ficaram de fora do processo de requalificação enquanto noutras a intervenção teve níveis de desperdício significativos ligados, por exemplo, a opções mais do que duvidosas sobre equipamentos e acabamentos.
Felizmente o clima é ameno conforme a imagem que vendemos de Portugal. No entanto, não é sempre ameno e estes dias provam isso mesmo.
Ter alunos embrulhados em mantas, com dificuldades em suportar o frio dentro das salas, com os professores na mesma situação não é o melhor ambiente de sala de aula, justifica um alerta vermelho.
Alunos que estão mal não podem aprender bem. Umas vezes porque lhes falta calor, outras porque lhes falta sustento outras porque lhes sobra o frio.
Eu sei que podemos dizer que existem picos ou alterações inesperadas para as quais nem sempre podemos estar preparados.
No entanto, em Janeiro são normais os dias frios, a situação que atravessamos não é anormal.
Anormal é não conseguirmos que os miúdos estejam com um mínimo de bem-estar e disponibilidade numa sala de aulas com os professores a fazer acontecer o que se espera, aprender a ser gente. De bem, é claro.

TODOS BATEM NOS PROFESSORES. Enésimo episódio

As notícias sobre agressões a professores, designadamente cometidas por encarregados de educação, vão chegando com alguma frequência à comunicação social. Na quarta-feira em Lisboa, numa escola básica.
De novo, algumas notas. Esta questão, embora sempre objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. No entanto, uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela que evidentemente, têm responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais.
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais pelo impacto na percepção social de autoridade.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.
Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. Aliás, uma das características dos sistemas educativos melhor considerados é, justamente, a valorização dos professores.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

O MUNDO ÀS COSTAS

A imprensa noticia hoje a petição em curso que pretende a existência de legislação que impeça o peso excessivo das mochilas escolares. Segundo a opinião de vários especialistas e vários estudos muitas crianças, sobretudo as mais novas, carregam um peso que pode causar alguns problemas.
A questão parece-me pertinente mas julgo que poderíamos aproveitar a janela de oportunidade, como agora se diz, para reflectir sobre o peso excessivo que muitas crianças carregam nas suas costas.
As mochilas escolares serão apenas um dos carregos, por assim dizer, mas existem outros.
Estou a pensar no peso da pressão para que sejam excelentes.
Estou a pensar no peso da pressão para que sejam o que não são e da pressão para que não sejam o que são.
Estou a pensar no peso da pressão de viver demasiado só.
Estou a pensar no peso da pressão que leva a que, por vezes, só gritando e agitando-se se façam ouvir.
Estou a pensar no peso da pressão de não conhecer o caminho e sentir-se perdido.
Estou a pensar no peso da pressão de actividades sem fim e, às vezes, sem sentido. Estou a pensar no pessoa da pressão do depressa e bem.
Estou no peso da pressão para sejam diferentes e na pressão para que sejam iguais.
Estou a pensar no peso da pressão causada por famílias demasiado distantes ou por famílias demasiado próximas ou ainda por famílias ausentes.
Na verdade, há miúdos que carregam o mundo às costas. Entende-se as preocupações dos pediatras, ortopedistas, outros especialistas e de muitos de nos com a coluna dos miúdos.

O PROGRAMA DE TUTORIA

O Público noticia que cerca de 1200 professores realizaram formação para o desempenho da função de professor tutor com grupos de alunos do ensino básico que tenham duas ou mais retenções.
Estas funções enquadram-se no Programa Tutorial criado pelo ME em substituição do errado modelo de ensino vocacional destinado a estes alunos, nos moldes em que estava a funcionar, evidentemente.
Estes professores tutores terão a seu cargo grupos de até 10 alunos e disporão de 4h semanais para a sua realização.
Como disse na altura em que foi anunciado, o programa tutorial parece-me um dispositivo muito interessante e que vem na continuação, é bom lembrá-lo, de várias experiências e práticas desta natureza que muitas escolas e agrupamentos desenvolvem com resultados positivos mas com dificuldades em matéria de recurso ou com a utilização de meios exteriores à escola como é o caso da intervenção da Associação EPIS. Existe também muita evidência, como agora se diz, que sustenta a bondade dispositivos de natureza tutorial.
O Programa de Tutoria em desenvolvimento terá a vantagem de ser desenvolvido pela equipa da escola e não por recursos exteriores ao sistema educativo e, como tal, inexistentes em todas as escolas.
No entanto, como também disse, parece claro que em quatro horas semanais com 10 alunos para um programa de tutoria com o perfil de intervenção definido e que julgo adequado, dificilmente poderá produzir resultados significativos embora, naturalmente, deseje muito que tal aconteça.
Vejamos as funções atribuídas.
a) Reunir nas horas atribuídas com os alunos que acompanha;
b) Acompanhar e apoiar o processo educativo de cada aluno do grupo tutorial;
c) Facilitar a integração do aluno na turma e na escola;
d) Apoiar o aluno no processo de aprendizagem, nomeadamente na criação de hábitos de estudo e de rotinas de trabalho;
e) Proporcionar ao aluno uma orientação educativa adequada a nível pessoal, escolar e profissional, de acordo com as aptidões, necessidades e interesses que manifeste;
f) Promover um ambiente de aprendizagem que permita o desenvolvimento de competências pessoais e sociais;
g) Envolver a família no processo educativo do aluno;
h) Reunir com os docentes do conselho de turma para analisar as dificuldades e os planos de trabalho destes alunos
Quem conhece a realidade das escolas e as problemáticas complexas dos alunos em insucesso, com desmotivação, desregulação de comportamento, ausência de projecto de vida, falta de enquadramento e suporte familiar, lacunas graves nos conhecimentos escolares de anos anteriores, etc., quase sempre presentes e só para referir dimensões relativas aos alunos, percebe a dificuldade de reverter, para usar um termo em voga, o seu trajecto escolar.
À luz do que me parece ser um trajecto de defesa da efectiva autonomia das escolas, preferia que, dando o ME orientação e a possibilidade de gerir e alocar recursos a estes programas, que fossem as escolas a organizar os seus programas de tutoria, definindo destinatários, professores e técnicos envolvidos, tempos de realização e objectivos a atingir.
Caberia, evidentemente, às escolas e ao ME a regulação e acompanhamento dos programas e a sua avaliação.
Sabemos, é uma referência comum, a existência de “constrangimentos” que pesam nos recursos disponíveis.
No entanto, mais uma vez e não esquecendo a necessidade de combater desperdício e ineficácia, é bom recordar que a qualidade da educação e a promoção do sucesso para todos os alunos não representam despesa, são investimento.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O RISO

Uma passagem de olhos pela imprensa traz quase sempre algo de inesperado. Cumpre-se hoje o Dia Internacional do Riso. É verdade. É assinalada a importância que o riso tem na vida das pessoas
De facto, sabemos como o riso é habitualmente um sinal de bem-estar ou satisfação e também sabemos como tantas vezes nos faltam motivos para rir como outras tantas nos rimos e sentimos bem.
No que se refere aos mais novos e à importância que para eles tem o riso e o que o riso significa, a melhor lição que alguma vez ouvi e que tantas vezes aqui referi, desculpem, aconteceu-me há uns anos em Inhambane, Moçambique.
Ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante a estadia por lá, disse-me que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos haveriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, por mais que alguns insistam que tudo tem que ser sério e trabalho, as crianças só aprendem quando se riem.
Convém, aliás, não esquecer que brincar é também a actividade mais séria que as crianças realizam.

A SÍNDROME PÓS-MINISTÉRIO

A ex-ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues assina hoje no DN um texto de opinião com o estimulante título, “O meu filho vai chumbar. O que devo fazer?”. O texto centra-se na análise e reforço da ineficácia genérica da retenção na melhoria dos resultados escolares para além dos efeitos negativos que comporta. Sugere também algumas alternativas com efeitos mais positivos para minimizar o ainda enorme número de alunos que todos os anos chumba em Portugal.
Não temos a continuidade mas é de prever que os pais … façam. Não sabemos exactamente o quê e como, pois, como é sabido, os alunos chumbam por decisão e responsabilidade dos pais.
A ex-ministra da educação continua a sua caminhada no sentido de iluminar a educação em Portugal algo que manifestamente não conseguiu na sua passagem pela 5 de Outubro.
Como já tenho referido, em Portugal verifica-se uma estranha e curiosa situação, muitos ocupantes de funções políticas relevantes após terminarem essas funções apresentam sempre uma visão muito clara do que deve ser a política na área de que foram responsáveis mas que, por incompetência, falta de poder, visão diferente ou qualquer outra justificação, não realizaram. É o que eu chamo a Síndrome Pós-ministério, ou seja, é assim que se deve fazer mas na altura, não me lembrei, não soube, não fui capaz ou ...
Na educação temos vários exemplos.
É verdade que as políticas educativas que se seguiram foram em muitos aspectos absolutamente deploráveis e devastadoras. Embora exista a ideia de que "atrás de mim virá quem bom de mim fará" importa não esquecer que Maria de Lurdes Rodrigues subscreveu medidas de política educativa que mereceram, merecem, profundas críticas e não podem ser esquecidas ou branqueadas pela eventual justeza das opiniões que tem vindo a divulgar. É apenas isto que está em jogo e que expressei em textos anteriores.
Uma nota para referir que, de facto, o texto está em linha com o que também eu tenho escrito por aqui sobre a questão do “chumbo”, folgo como esse entendimento e com opiniões que me pareçam correctas, mas a história é algo de importante e o tempo não faz esquecer tudo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

GOSTEI DE LER, "ADMIRÁVEL LÍNGUA NOVA (PARTE II)"

Gostei de ler o texto de Manuel Matos Monteiro “Admirável Língua Nova (Parte II)” no qual fica bem evidente a mixórdia em que o Acordo do nosso descontentamento transformou a Língua Portuguesa.
Um excerto.
(…)


(…)
Imperdível.

VACINAR OU NÃO VACINAR? NÃO PODE SER UMA QUESTÃO

No DN de hoje aborda-se uma matéria que apesar de ainda não ter grande impacto em Portugal pode vir a tê-lo e merece alguma atenção, a vacinação das crianças.
Estima-se que mais de quatro mil crianças em Portugal não sejam anualmente vacinadas.
Como é sabido existe um Plano Nacional de Vacinação e Portugal tem, felizmente, uma taxa bastante elevada de vacinação nas crianças, cerca de 95%.
Noutros países e até com mais significado também se assiste à emergência de movimentos que levam a que muitos pais recusem vacinar os filhos e por cá também se ouvem opiniões nesse sentido e pais que não procedem à vacinação dos filhos como já foi referido.
Recordo que há algum tempo se verificou um surto de sarampo nos Estados Unidos com resultados preocupantes pois atingiu estados em que os pais podem recusar as vacinas.
Não sendo especialista, sei que as vacinas contêm alguns riscos que basicamente estarão controlados e sei também que existem interesses brutais em jogo, designadamente por parte das farmacêuticas e laboratórios. No entanto, parece-me que a vacinação representa um ganho civilizacional que poupa a morte a muitos milhares de crianças pelo mundo inteiro e quando reparamos na taxa de mortalidade infantil verificada em países que não conseguem assegurar campanhas de vacinação generalizadas percebemos isso com clareza. Os testemunhos de gente conhecedora, como Mário Cordeiro ou Gomes Pedro, na peça do DN mostram isso mesmo.
Assim sendo, é sempre com alguma preocupação que em nome de valores, certamente legítimos mas que necessitam de ponderação, se possa decidir por comportamentos que manifestamente são causadores de riscos para as crianças.
Ainda no mesmo âmbito recordo também um movimento emergente que defende a realização de partos em casa que, evidentemente, tem merecido a condenação de enfermeiros e médicos devido aos elevados riscos envolvidos para bebés e mães. Também nesta matéria sabemos dos interesses económicos em jogo traduzidos, por exemplo, numa altíssima taxa de cesarianas que parece agora com tendência para baixar.
O povo costuma dizer que "com a saúde não se brinca". Não estamos a falar, obviamente, de brincadeiras mas estamos a falar de decisões que são de uma enorme responsabilidade e que podem levar como aconteceu há algum tempo em França que o tribunal obrigue uma família a vacinar os filhos em nome do seu superior interesse.

SÓ PRENDER NÃO BASTA

Segundo dados da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais diminuiu 8.6% o número de jovens internados em centros educativos em Dezembro de 2016 face ao número de Dezembro de 2015.
Este abaixamento, pode dever-se a uma alteração na administração da medida de internamento pois no mesmo período foram registados 1920 pedidos de apoio a medidas tutelares educativas na comunidade, representando um crescimento de 40,14% face a 2015.
Não creio que seja explicado apenas pela diminuição dos comportamentos de delinquência entre jovens.
Na verdade, a experiência e os estudos relativos à reincidência mostram que apenas prender, ou internar no caso dos jovens, é muitas vezes insuficiente para alterar trajectos de delinquência.
Recordo que segundo dados da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos, dos 186 jovens que em Fevereiro de 2015 cumpriam medidas tutelares nos Centros Educativos 144 estavam já sinalizados, referenciados, por processos de promoção e protecção. Dito de outra maneira, trata-se de jovens com um processo longo e conhecido de problemas e circunstâncias de vida bem adversas.
Recordo também que resultados do Projecto Reincidências – Avaliação da Reincidência dos Jovens Ofensores e Prevenção da Delinquência, da responsabilidade da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e realizado entre Janeiro de 2013 e Janeiro de 2015 mostram que 33.2% dos jovens inquiridos e que já passaram por uma medida tutelar educativa que pode incluir internamento em Centro Educativo reincidem na prática de delitos.
Acresce que os Centros Educativos sentem ainda forte constrangimento em matéria de recursos humanos pelo que mais dificilmente cumprem o seu papel fundamental de reabilitação através da construção de programas de educação e formação profissional.
Ainda de acordo com um estudo divulgado há algum tempo realizado no âmbito do Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e co-financiado pela Comissão Europeia, a população que está nos Centros Educativos acumula, em geral, mais de três anos de chumbos na escola e em 80% dos casos é oriunda de famílias de baixo estatuto socioeconómico.
É ainda relevante que mais de 90% dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o que é um dado astronómico”, como classificou Daniel Rijo, professor da Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho para a DGRSP. Nem todos têm o acompanhamento que seria necessário, admitiu.
Sempre que estas matérias são discutidas, os especialistas acentuam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais pelo que a resposta recentemente criada, (mas creio que ainda só no papel) “casas de autonomização” pode constituir-se como um contributo se dotada de recursos adequados.
As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens sentem-se incapazes de acompanhar o volume de casos das respectivas comunidades, gerando situações, muitas conhecidas, com fim grave de crianças que depois ficamos a saber, os dados de hoje confirmam-no, que estavam “sinalizadas” ou “referenciadas”, mas sem resposta.
Sabemos que educação, prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.
Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos envolvidos mais novos em episódios de delinquência.
No entanto a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
É em todo este caldo de cultura que nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar.
É urgente que nos questionemos e questionemos as instituições, em nome dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos.
Recordo Brecht, "Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem".