"Crise pode estar a agravar casos de trabalho infantil e mendicidade, diz CNASTI"
O calendário das consciências
assinala hoje o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil. A Organização
Internacional do Trabalho estima que, dados de 2013, existirão cerca de 168
milhões de crianças trabalhadoras, 85 milhões em trabalhos perigosos.
Recordo que em 2012 o Comissário
Europeu dos Direitos Humanos em visita a Portugal alertou para que a crise
financeira, o aumento do desemprego e a diminuição das fontes de rendimento das
famílias devido às medidas de austeridade, parecem estar a levar as famílias a
fazer novamente uso do trabalho infantil, nomeadamente no sector informal e na
agricultura. O Comissário referiu mesmo casos de emigração com recurso ao
trabalho infantil.
Já há algum tempo especialistas
nesta área têm vindo também a expressar preocupação com o risco de aumento do
trabalho infantil como consequência das dificuldades das famílias.
Apesar de nos últimos anos ter
baixado significativamente o número de casos reportados pela Autoridade para as
Condições do Trabalho importa estar atento ao desenvolvimento e a este risco.
No âmbito do universo a que
poderemos chamar de trabalho infantil encontra-se alguma ambiguidade que leva a
que algumas situações possam passar despercebidas e muitas outras existirão
numa zona de fronteira, de difícil avaliação, sobretudo na área do que
poderemos chamar de “ajuda familiar”. No entanto, no actual quadro social e
económico, com as famílias atingidas pela redução severa nos seus rendimentos
importa, de facto, estar atento, à pressão que possa recair sobre os mais
novos. Em algumas circunstâncias o envolvimento de adolescentes em situações de
trabalho deve ser entendida considerando variáveis de natureza contextual e
pessoal, independentemente da necessidade de combater a situação. Estou a
lembrar-se da colaboração de adolescentes em tarefas realizadas em contextos
familiares, fora dos horários escolares e que, apesar da polémica desta
afirmação, pode ser um bom contributo para a sua formação, embora, na verdade,
estejam a desenvolver uma actividade com contornos laborais. Quando era miúdo e
, trabalhei muitas horas com a minha avó e o meu pai na quinta sem sentir que
estava a ser objecto de trabalho infantil e hoje acho que parte daquilo de que
aprendi a gostar e a ser na vida tem alguma ligação com aquele
"trabalho" a que me dedicava em férias, fins-de-semana e nos fins de
tarde dos dias compridos de Primavera e Verão.
No entanto, sabemos da existência
de situações de exploração dos miúdos que ocorrem simultaneamente ao abandono
escolar. Este tipo de situações é mais frequente na adolescência e para além de
eventuais dificuldades na economia familiar, prende-se, por um lado, com uma
relação com a escola mal sucedida e com a incapacidade de perceber a escola
como fazendo parte do projecto de vida. Por outro lado, remete para um sistema
de valores que leva a que alguns adolescentes, ao terem oportunidade, entrem no
mercado de trabalho para que rapidamente possam aceder a alguns bens que o
orçamento familiar proíbe. Quando se inquirem adolescentes sobre os motivos que
os levam a abandonar a escola e a entrar clandestinamente no mercado de
trabalho, ouve-se com alguma frequência a vontade de ter dinheiro para comprar
os bens que entendem como desejáveis.
Neste quadro, a questão central,
para além do controlo sobre o mercado de trabalho, é a qualidade e a
diversificação dos processos educativos. Em Portugal, o abaixamento
significativo, ainda que continue alto, do abandono escolar foi conseguido
através do alargamento fortíssimo da oferta de formação de natureza
profissional, corrigindo um modelo de escola, de via única e de longo termo
para obter formação para o mercado de trabalho.
Quanto maior for a qualidade e a
diversidade da formação escolar, menor será a tentação do abandono precoce e a
entrada no mercado de trabalho de forma clandestina e sob o enorme risco da
exploração e do abuso.
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