"Conselho Nacional de Educação aponta várias falhas ao ensino especial"
A recomendação do Conselho
Nacional da Educação sobre o universo da educação especial hoje conhecida é uma
peça importante e que coloca várias questões que contrariam a política
educativa que tem vindo a ser seguida neste universo. Por coincidência, esta
recomendação, elaborada após um processo de audições no qual fui convidado a
participar, surge na véspera de uma sessão destinada a comemorar os 20 anos da
Declaração de Salamanca, um marco na promoção de uma visão de educação inclusiva.
Retomo algumas notas no sentido
de contribuir para o "estado da arte" no universo da educação
especial que contém várias fontes de inquietação também enunciadas pelo CNE.
Os sistemas educativos, incluindo
o nosso, parecem ter entrado numa deriva de "normalização", todos
devem aprender tudo ao mesmo tempo, as metas curriculares assim o determinam,
sem intenção ou capacidade de acomodar a diversidade, a característica mais
óbvia de qualquer grupo de alunos.
A educação, em termos globais,
podemos dizer de cidadania, transforma-se na aprendizagem normalizada e
acrítica de competências instrumentais que se devem demonstrar em exames
sucessivos. Aliás, sobretudo para os mais novos e tal como são estruturados, os
exames podem mesmo ser um contributo
para a exclusão como tem sido reconhecido, caso da OCDE.
Os exames, muitos exames, irão
funcionar, em nome da promoção da excelência e do rigor, como um crivo
sucessivo criando grupos de excluídos. Destes, os que tenham maiores
dificuldades ou deficiência serão, é só esperar mais um pouco, encaminhados
para as instituições, pelo menos grande parte do tempo, como já acontece,
aliás, com muitos alunos abrangidos pelo prolongamento da escolaridade
obrigatória e que estão na escola a que pertencem, quando estão, não mais do
que 5 horas ao abrigo de um normativo que se afirma promotor de inclusão.
Aliás, são cada vez mais frequentes as situações de crianças cujas famílias são
"aconselhadas" a mantê-los mais tempo em casa, pois a escola não tem,
ou assume que não tem a possibilidade de os acomodar como seria de esperar. Os
outros, com mais capacidades mas também excluídos pelos exames, muitos exames,
serão encaminhados para o ensino vocacional, isto é, para as profissões
"manuais".
Os pais desesperam por apoios e respostas
às necessidades dos filhos que, apesar da retórica dos sucessivos governos,
continuam por estruturar em qualidade e suficiência.
Como sempre afirmo, o melhor
critério de inclusão, qualquer que seja a dimensão considerada, é a
participação, a pertença, o envolvimento. Vamos percebendo pelos relatos e
pelas experiências que a participação é mais baixa que o desejável. Muitos
alunos com condições especiais estão na escola mas não "participam",
estão no seu "canto" (este canto pode ter várias designações). Dito
de outra maneira, estão "entregados", não estão
"integrados" apesar do empenho de muitos dos técnicos e professores.
Apesar da legislação carecer de alterações,
processo formalmente em curso, importa afirmar que muitos dos problemas que
hoje se sentem na resposta educativa a alunos com necessidades educativas
especiais relevam de decisões políticas que estão para além da própria
legislação, como o corte de professores, técnicos e funcionários, a colocação
de mais alunos com NEE numa turma do que a legislação determina ou o não
respeito pelo que também está legalmente determinado em matéria de redução de
alunos por turma quando existem alunos com NEE.
Os últimos relatórios da
Inspecção-geral da Educação referem recorrentemente constrangimentos como
turmas demasiado grandes e sem a redução determinada por lei, alunos cegos ou
com baixa visão sem acompanhamento adequado ou mesmo sem ensino de braille ou
de orientação e treino de mobilidade, escolas que recebem alunos surdos sem
ensino de Língua Gestual Portuguesa ou sem intérprete, a maioria das escolas
não estrutura programas de transição para chamada vida activa, pós-escolar, não
promovendo eficazmente projectos de integração social que seriam desenvolvidos
em parceria com outras instituições. Os Relatórios referem ainda a
insuficiência genérica de professores, técnicos e intérpretes para o número de
alunos com necessidades especiais identificado.
Os últimos anos lectivos têm sido
catastróficos, falta de respostas, professores, funcionários, transportes,
técnicos, desrespeito pelos próprios normativos relativos o número de alunos
por turma, quer no que respeita aos alunos com NEE quer no que respeita aos
seus colegas, etc.
Entendo ainda que a prestação de
serviços educativos especializados ou na área da psicologia, por exemplo, em
"outsourcing" ou através as parcerias estabelecidas com as
instituições assentam num enorme equívoco que os cortes orçamentais tornaram
evidente mostrando as dificuldades e o desajustamento do modelo escolhido.
Aqui fica um contributo para a
discussão que, aliás, já tinha publicado.
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