"Declarações “homofóbicas” de Marinho e Pinto poderão travar adesão do MPT aos Verdes no PE"
Mais uma vez, as vezes necessárias.
"Na verdade, esta matéria é um bom exemplo do tipo de questões que estarão
permanentemente em aberto na medida em que mais do que considerações de
natureza científica envolve valores.
Na verdade, para além dos discursos anónimos ou identificados, mais ou
menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos ignorantes, mais ou
menos sofisticados e assentes, aparentemente, em ciência, ficarão sempre os
valores e a forma como se olha o mundo. Não é grave, pelo contrário, parece-me
normal e legítimo mas importa assumir que se trata de valores e não
de ciência.
Se estão recordados, há alguns meses a Ordem dos Advogados divulgou um
parecer contra a proposta de permitir a co-adopção e adopção
fundamentando na ideia de "família natural" o que faz pressupor para
a Ordem dos Advogados que numa situação em que uma mãe jovem fique viúva e
decida viver com a sua mãe, ficando assim a sua filha ou filho a viver com duas
mulheres, teremos uma família "não natural" que, eventualmente,
colocará a criança em risco. É fraco o argumento que aliás motivou uma tomada
de posição de alguns advogados pouco confortáveis com a pobreza da argumentação
e posição da Ordem. Um artigo do Bastonário posteriormente divulgado no JN é
uma peça antológica no que respeita a preconceito e desinformação.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma imprensa em Portugal uma
decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que entendeu que a Áustria
violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter permitido a
adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o Tribunal citou
Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou que o Governo
austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial para uma
criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas mães ou
dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a adopção e que se organiza
em torno de três grandes ideias, e que são a eventual dificuldade da criança em
lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas
de comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por
exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência realizada em Lisboa
sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas de estudos sobre este
conjunto de razões realizada pela Associação Americana de Psicologia, motivou
uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma nenhuma destas
preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos expressos num
trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de registar que em
2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as
iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar
crianças". Também já este ano a Ordem dos Psicólogos de Portugal referiu
em parecer que "os resultados das investigações psicológicas apoiam a
possibilidade de co-adopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não
encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no
desenvolvimento da criança e nas competências parentais". Na mesma linha
foi hoje divulga mais uma revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a
homoparentalidade não afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terá sido
educada em famílias heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios
problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições
de mal-estar devastador integrando situações familiares heterossexuais ou,
finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas
razões em contexto escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as
crianças da escola mas, pelo contrário, combater a discriminação sejam quais
forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simples, a
questão central é que o que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem
maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da competência
humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais, mães ou
educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que
gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para
lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças quase sempre não sabem como resolver é
quando têm por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam
delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às
crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não
discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com ciência ou com um
discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos
os dias desfilam aos nossos olhos."Texto aqui colocado em 13/03/2014.
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