O estudo do Banco de Portugal sobre o impacto negativo da
retenção escolar, sobretudo nos primeiros anos vem, de novo, contrariar a errada
convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que
a OCDE já classificou de "cultura da retenção".
Na verdade, muitos estudos, nacionais e internacionais,
mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou
seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os
devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera”
quando referem esta questão.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão
central não é o chumba, não chumba e quais os critérios ou o número de
exames, mas sim que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar
disponíveis para alunos, professores e famílias, desde o início da percepção de
dificuldades, de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do
chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas
académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as
políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e
professores. O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no
Secundário é, apenas, um exemplo do que não deve ser feito se, efectivamente,
se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente
a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria
"administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem
sempre se resiste.
O estudo do Banco de Portugal evidencia uma outra realidade
também conhecida, a associação entre o nível de escolaridade dos pais e os
resultados escolares dos filhos, ou seja, quanto mais alta a escolaridade dos
pais, menor o risco de insucesso escolar dos filhos. Também aqui nada de novo
mas mais um dado que importa sempre considerar.
Recordo que uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares
dos alunos de diferentes países no Estudo comparativo PISA relativos a 2012 com
as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, os filhos
de pais mais qualificados têm melhores resultados. Esta constatação não
surpreende, estando em linha com estudos anteriores.
De facto, desde sempre os estudos, designadamente no âmbito
da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto
profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais.
Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de
desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e
pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial
dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O Relatório da OCDE, tal como este
estudo do Banco de Portugal vêm confirmar a realidade que conhecemos, a dificuldade
da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos
pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre
assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do
meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais, uma política
educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo
socioeducativo, em que por sucessivos processos de selecção que não garantem
equidade nas oportunidades, a educação e a qualificação não promoverão
mobilidade social ascendente.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de
forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a
desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na
promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da
solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No
entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da
promoção efectiva da chamada e distante igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão
central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três
eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, apoios a
alunos e professores e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade
para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a
desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de
educação e formação.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação
e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as
políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar
essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai
letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para
o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara
de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nos
entregamos, daqui a algum tempo a OCDE ou o Banco de Portugal virão dizer
exactamente o mesmo.
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