"Casal escravizado na agricultura e em cativeiro durante dois anos foi libertado pela PJ"
A imprensa relata mais um caso de pessoas mantidas em
situação de escravatura em Portugal, algo que não pode deixar de nos inquietar.
Recordo que segundo o relatório do Observatório do Tráfico
de Seres Humanos do Ministério da Administração Interna o número de pessoas
sinalizadas em Portugal como “presumíveis vítimas” de tráfico de seres humanos
de 2012 para 2013, 81 situações para 299 o que representa um crescimento de
269%.
São frequentes as referências na imprensa a situações de
tráfico de pessoas que se realiza em Portugal envolvendo, fundamentalmente,
mulheres no mundo da prostituição ou pessoas em situação pessoal e social de
vulnerabilidade para "trabalho escravo" na agricultura, em Portugal
ou, muitas vezes, em explorações agrícolas espanholas. Importa ainda sublinhar
que os especialistas entendem que as situações identificadas são uma pequena
parte da realidade.
Para além das questões de valores e da rentabilidade do
crime, o actual contexto de enormes dificuldades para muita gente não pode
deixar de se relacionar com o tráfico de pessoas.
Este cenário, o tráfico de pessoas e a escravatura, tal como
a pobreza, a fome e a exlusão, é das matérias que maior embaraço pode causar em
sociedades actuais, deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades
desenvolvidas.
A escravatura parece algo “fora do tempo” e de impossível
existência nos nossos países. Mas existe e é sério o problema que, como não
podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis, como as crianças, sem abrigo
ou mulheres.
Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes
e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da
pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de
repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate
à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na
distribuição da riqueza.
Estes tempos, marcados por competição, diminuição de
direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade tudo isto submetido a
um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral, podem alimentar
algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de
particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua
própria pessoa, o seu corpo, e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e
vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as
necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e
negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama
tornando transparentes as situações de escravatura, não se vêem, não se querem
ver.
Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos,
não têm voz, são coisas.
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