sábado, 14 de junho de 2014

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

"Casal escravizado na agricultura e em cativeiro durante dois anos foi libertado pela PJ"

A imprensa relata mais um caso de pessoas mantidas em situação de escravatura em Portugal, algo que não pode deixar de nos inquietar.
Recordo que segundo o relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos do Ministério da Administração Interna o número de pessoas sinalizadas em Portugal como “presumíveis vítimas” de tráfico de seres humanos de 2012 para 2013, 81 situações para 299 o que representa um crescimento de 269%.
São frequentes as referências na imprensa a situações de tráfico de pessoas que se realiza em Portugal envolvendo, fundamentalmente, mulheres no mundo da prostituição ou pessoas em situação pessoal e social de vulnerabilidade para "trabalho escravo" na agricultura, em Portugal ou, muitas vezes, em explorações agrícolas espanholas. Importa ainda sublinhar que os especialistas entendem que as situações identificadas são uma pequena parte da realidade.
Para além das questões de valores e da rentabilidade do crime, o actual contexto de enormes dificuldades para muita gente não pode deixar de se relacionar com o tráfico de pessoas.
Este cenário, o tráfico de pessoas e a escravatura, tal como a pobreza, a fome e a exlusão, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais, deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.
A escravatura parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis, como as crianças, sem abrigo ou mulheres.
Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na distribuição da riqueza.
Estes tempos, marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade tudo isto submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral, podem alimentar algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa, o seu corpo, e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz, são coisas. 

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