O Público de hoje retoma uma questão do meu ponto de vista importante mas que, provavelmente, terá atenção reduzida, a saúde mental. O movimento em curso de introduzir a gestão privada nas unidades de saúde, para além de outras implicações recorrentemente referidas, está a inibir o desenvolvimento de práticas adequadas no domínio da psiquiatria dirigida a adultos e a crianças. As orientações actuais, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista da orientação política nesta matéria, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida das pessoas. Numa lógica de rentabilização assente exclusivamente em números, os modelos de gestão privada de algumas unidades de saúde estão a dificultar a prestação de serviços na comunidade fazendo a resposta assentar no modelo clínico clássico da resposta dentro do hospital.
É importante recordar que apesar de algum atraso também em Portugal se tem assistido ao movimento de desinstitucionalização das pessoas com doença mental afirmado, aliás, no Plano Nacional de Saúde Mental.
Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições nem sempre está a ser devidamente suportado por unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes. É neste contexto que as políticas observadas em algumas unidades de saúde, o Hospital de Cascais é apenas um exemplo citado no trabalho do Público, contrariam este movimento apenas aceitando consulta hospitalar e internamento.
Tal opção, parece claro, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.
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