segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

VIOLOU? SIM, MAS NÃO LHE BATEU. ABSOLVIDO

A Ordem dos Médicos, num procedimento raríssimo, propõe a expulsão de um médico psiquiatra que violou uma doente a quem tratava devido a um quadro depressivo e estava grávida.
Em tribunal de primeira instância os comportamentos são dados como provados e o cidadão condenado.
Como é habitual em Portugal, seguiu-se o recurso e o Tribunal da Relação pronunciou-se pela absolvição do cidadão porque os actos, que continuaram dados como provados não foram, no entendimento dos doutos juízes susceptíveis de se considerar violentos.
Como referi na altura, foi difícil acreditar. É certo que não terão existido agressões físicas muito sérias, a senhora não terá levado uns murros e, muito menos, facadas e tiros. Na verdade, a senhora em situação psicológica vulnerável, estava em acompanhamento clínico devido a depressão, foi só empurrada e pressionada com alguma assertividade, por assim dizer, a realizar práticas que não queria e que certamente não fazem parte da abordagem terapêutica, o chamado acto médico.
Os doutos juízes da relação não vislumbraram sinal de ilícito e decidiram-se pela absolvição. A sua sagacidade e lucidez não lhes permitirão perceber que este é um excelente exemplo da forma como o funcionamento da justiça contribui para a imagem miserável que o cidadão tem de um sistema de justiça em que não confia. Estes juízes, do alto da sua impunidade irresponsável, desconhecem o que são princípios éticos e valores que não podem ser hipotecados e branqueados por actos administrativos arbitrários e terroristas ainda que mascarados por uma linguagem indecifrável.
Em quem pode o cidadão confiar se o médico viola mas não bateu e o juiz o absolve porque só violou, não bateu?
Finalmente, a Ordem dos Médicos assume a proposta de expulsão do médico em causa. Esta proposta não pode ser entendida como uma reparação delinquente entendimento dos juízes do Tribunal da Relação do Porto, é apenas o que uma estrutura representativa de uma classe profissional pode, deve, fazer num caso que nega e agride todos os princípios éticos e científicos nos quais devem assentar a prática profissional dessa classe.

10 comentários:

Anónimo disse...

Não sei o que mais me mete nojo:se o ato do médico se o ato dos juizes que o absolveram

Zé Morgado disse...

É difícil decidir mas a responsabilidade dos juízes, enquanto Tribunal, e o impacto social da decisão torna-a algo de absolutamente terrorista

glc disse...

Concordo que é difícil decidir. Se por um lado, o médico deve tratar e respeitar o seu doente, o juíz deve julgar de forma isenta e respeitar igualmente as pessoas. A grande questao nos casos que envolvem a justiça e a decisão dos juízes, é que estes sentem-se acima de qualquer lei. As sentenças reflectem o pensamento de cada juíz, a lei é interpretada de acordo com as suas convicções pessoais e não admitem errar. Mas erram e muito ... este caso, é disso um exemplo gritante. E quem os julga? Sim, quem julga um juíz? Nós estamos em crise, mas não apenas em crise económica e política. Essa crise é a consequência da crise de valores que já se arrasta há longos anos e que é talvez ainda mais difícil de solucionar.

Anónimo disse...

Devo dizer que acho que um acto de violação é algo de horroroso e grotesco, mas sublinho que é algo que é perpetrado contra a vontade da vítima. Mas se a vontade da vítima não é essa, porque motivo não se defendeu? Porque motivo não colocou final à prática do acto sexual? Sem entrar em grandes considerações de tempo, estaremos a falar de, pelo menos, alguns minutos em que a vítima ficou prostada, imobilizada e submissa, sem qualquer gesto de defesa ou indignação. O que o médico fez foi abusivo (principalmente por ser médico), qualquer outra pessoa que tivesse feito o mesmo e ninguém falaria em violação. O médico não deve voltar a ser médico, mas o arrependimento da vítima não faz deste caso uma violação. Não sei se legalmente poderemos falar de abuso sexual, mas parece-me que violação não será bem o termo jurídico certo. Estar deprimido não nos iliba de tomar decisões, nem da responsabilidade inerente a cada uma dessas decisões. Que se note que eu não defendo o médico, porque ele usou da sua posição para se aproveitar da paciente,mas o termo violação parece-me excessivo, já que no caso da vítima estamos a falar de um adulto que não obstou à prática do acto. Mas admito que o caso parece-me ser bem menos linear do que aparenta à primeira vista, pelo que uma leitura mais aprofundade poderá trazer mais luz ao caso.

Anónimo disse...

"um adulto que não obstou à prática do acto". Estamos com certeza a brincar!!! Estamos a falar de um médico que se aproveitou da sua posição para violar, sim violar, uma paciente. "Mas se a vontade da vítima não é essa, porque motivo não se defendeu? Porque motivo não colocou final à prática do acto sexual?" Está a falar a sério? Não me diga que faz parte do grupo que pensa que uma mini saia é uma forma de provocação que pode conduzir a uma violação??? Estamos a falar de uma paciente deprimida, doente, por algum motivo procurou um psiquiatra. O termo violação parece excessivo? Só há violação quando há violência? Segundo o priberam violar é . "Forçar alguém a ter relações sexuais. = ESTUPRAR, VIOLENTAR", não me parece que aqui se distinga se há violência ou não. Há diversas formas de forçar alguém a...

Zé Morgado disse...

Se o Anónimo das 12:18 acedesse ao acórdão (foi divulgado na altura) perceberia que nos dois tribunais foi provado que CONTRA A VONTADE DA PACIENTE ela foi busada, empurrada para o sofá e puxada tendo resistido da forma que conseguiu, trata-se de uma pessoa fragilizada e dentro de um cenário, um consultório, que, em princípio, deve ser protector.
Os juizes apenas disseram que não houve violência excessiva, comprovaram a violação e ABSOLVERAM o médico!!! Qualquer consideração em torno deste factos que minimizem a gravidade do comportamento do médico e da decisão dos juízes é, no mínimo, estranha.

Anónimo disse...

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/0/1c550c3ad22da86d80257886004fd6b4?OpenDocument

"Estamos a falar de um médico que se aproveitou da sua posição para violar, sim violar, uma paciente."
O médico aproveitou-se da sua condição para ter relações com a sua paciente, mas isso por si só não constitui violação

"Estamos a falar de uma paciente deprimida, doente, por algum motivo procurou um psiquiatra. O termo violação parece excessivo? Só há violação quando há violência?"
Para haver violação tem que haver coacção da vítima, seja ela física ou psicológica. O facto de estar deprimida quer dizer que o seu grau de defesa foi severamente afectado, mas não a torna irresponsável ao ponto de não se defender. Lendo o acórdão do tribunal da Relação, percebe-se melhor a acusação de "violação", porque a vítima começa a ter relações com o médico, dirige-se para a porta e é empurrada para um sofá onde prossegue a relação. Neste cenário, é compreensível a acusação de violação. Por outro lado, uma vez no sofá, a vítima não faz qualquer movimento no sentido de se dirigir novamente à porta ou de terminar o abuso, o que pode ser entendido como algum consentimento. É neste cenário que deve ser analisado o seu estado de gravidez e a impossibilidade de se defender perante tal abuso - neste cenário, compreendo a acusação de violação.
Mas continuando a ler o acórdão,percebe-se que já eram usadas "técnicas" pouco convencionais, como sessões de masturbação da paciente, e é dado como provado que, após a violação, a vítima envia 2 SMS ao arguido, que não são respondidos, e só depois destes SMS decide queixar-se da violação à mãe e às autoridades.
Conclusão: se alguém disser que o simples facto de a vítima se ter dirigido à porta constitui violação, tendo a aceitar. Mas a violação deve ser entendida como acto sexual forçado, física ou mentalmente, e isso, necessariamente, pressupõe alguma resistência da vítima, o que não é inteiramente compatível com o cenário apresentado em tribunal.

Anónimo disse...

@ Zé Morgado:

não procurei desvalorizar a conduta do médico, já que entre todos os factos, parece ser o comportamento do médico o único que não merece considerações visto ser unânime que a sua conduta foi inapropriada e que usou do seu estatuto profissional para ter relações sexuais com uma paciente.

A única análise que fiz foi ao enquadramento jurídico do termo "violação". Além disso, o que ficou dado como provado foi que entre o sexo oral e o sexo vaginal, a paciente/vítima se dirigiu à porta e foi empurrada para um sofá. Fazendo fé no acórdão, não houve qualquer outro gesto defensivo da vítima ou coercivo do agressor. A minha opinião apenas se baseava no facto de que aquilo que tinha lido não era inteiramente compatível com os cenários comuns de violação. É claro que deve pesar o facto de a paciente/vítima estar grávida e, por isso, incapacitada de se defender ou de reagir como uma vítima tradicional, e nesse aspecto posso estar a sub-valorizar esses factos. Mas lendo o acórdão, tirando um movimento na direcção da porta, mais nada indica que o sexo não foi consentido, mesmo no testemunho da própria vítima.
Se isto ficasse apenas por aqui, começava mais a inclinar-me para a posição que defende que o que existiu consentiu, efectivamente, numa "violação". Mas depois percebemos que nas sessões de terapia anteriores já aconteciam actos de masturbação à paciente/cliente (confessadas à mãe) e que os SMS logo após a violação (alguém manda SMS ao seu violador?) são muito suspeitos. O seu estado de depressão implica alguma valorização dos factos, mas não a total irresponsabilidade da vítima no sentido de não ter a percepção de que estaria a ser abusada pelo seu médico e, como tal, não ter a percepção mínima da realidade para se defender.

Para concluir, as minhas certezas sobre o caso são cada vez menores. A vítima, pelo seu seu estado de gravidez adiantada e de depressão clínica, tinha muito menos capacidades de se defender do que uma vítima de violação comum (digamos assim). Mas para ser dado como provado o cenário de violação, é preciso provar que houve coação do agressor, e o tribunal da relação aponta falhas neste cenário, na medida em que considera que a paciente/vítima não foi vítima de violência tal que a impedisse de se defender. E não se defendendo, não terá sido coagida, logo não terá sido violada.

Sei que pode parecer uma análise fria ou machista, dirão alguns, mas tenho dificuldades em perceber o raciocínio "estava grávida e deprimida, teve relações sexuais com o psiquiatra, logo foi violada". O que o tribunal fez foi valorizar o seu estado de gravidez e de depressão clínica, pois não se pode declarar uma pessoa como irresponsável ou inimputável por estar grávida ou deprimida. O que se pode questionar é se o tribunal valorizou adequadamente ou suficientemente o facto de a vítima estar deprimida e em fase adiantada de gravidez.

Como disse, só sei que cada vez o caso é menos claro ou óbvio. Mas não julguem que tenho qualquer simpatia ou compaixão por este médico.

Anónimo disse...

"De qualquer forma a análise da própria decisão de 1.ª instância não deixa de suscitar perplexidades: considera existir uma verdadeira violação de uma paciente pelo seu psiquiatra (o que implica uma carga acrescida de censurabilidade) e aplica uma mera pena suspensa?"

(http://jornalpenal.wordpress.com/2011/08/22/o-acordao-que-absolveu-o-psiquiatra-da-violacao-da-paciente-gravida/)

miguel disse...

Ela era a paciente e pagava as consultas. Ele desempenhava a função de psiquiatra e fez sexo com a paciente. A paciente diz que foi violada e comprova-se com exames. Qual é a duvida? Fosse com agressividade ou não. Não tem nada de fazer sexo com uma paciente. Se quiser pode ir beber um café com ela, almoçar ou jantar, mas se quer ter uma relação amorosa ou meramente carnal com ela, ela não pode ser sua paciente. Custa muito compreender isso?