O Público de hoje, com base em dados do INE refere que em cinco anos o número de doutorandos aumentou 134.4% o que é notável. Na notícia lê-se ainda que o nível de precariedade no trabalho aumentou, facto que também já era conhecido de outras fontes.
Este tipo de notícias, mais uma vez e quando não devidamente trabalhadas, alimentam o enorme equívoco de que temos gente qualificada a mais sendo que essa qualificação serve de pouca coisa. Uma leitura à maioria dos comentários on-line a estes trabalhos ilustra claramente esse equívoco. Assim sendo e mais uma vez, até que os dedos me doam, algumas notas que ainda recentemente aqui escrevi a propósito dos dados do Censo 2011 que mostraram que em dez anos duplicou a percentagem de população que detém formação superior e que produziu os mesmos efeitos que a notícia de hoje.
Quando se lê que o número de doutorandos subiu exponencialmente ou que o de licenciados duplicou em dez anos, creio que tal informação vai ao encontro da ideia falsa que se instalou na sociedade portuguesa de que temos licenciados a mais e de que não adianta estudar pois espera-os o desemprego. O desenvolvimento das sociedades actuais exige a qualificação das pessoas, a alternativa é a exclusão.
Neste sentido, parece-me fundamental que tenhamos uma visão comparativa com os países do mesmo espaço, a União Europeia. Assim, os dados da OCDE relativos a 2009 dizem-nos que, considerando a população dos 25 aos 65 anos, temos o nível mais baixo, repito mais baixo, de qualificação superior, é menos de metade da média europeia. Se considerarmos o ensino secundário, os dados do Censo 2011 mostram que temos 13% da população com esta habilitação. Mais uma vez é relevante saber que em 2009 também tínhamos o mais baixo nível de qualificação com o ensino secundário da UE, bem abaixo de metade da média. Um último dado comparativo, em 2009 o abandono precoce em Portugal era mais do dobro da média da UE.
Este cenário mostra como é de saudar o aumento de qualificação de nível superior mas também se percebe como estamos longe dos níveis de qualificação da população dos países com quem interagimos e competimos. Para além de tudo isto importa não esquecer que 25 % da população portuguessa tem apenas o 1º ciclo.
Quanto ao emprego desta mão-de-obra qualificada, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura. No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão-de-obra qualificada.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens com formação superior à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo.
Estamos no caminho mas com muita estrada por percorrer, era bom que nos lembrássemos disto antes dos discursos sobre o "país de doutores", tão falsos quanto perigosos.
1 comentário:
Permita-me fazer um pedido. Caso o Sr. "Anónimo Paz" leia este seu post, gostaria que ele voltasse ao texto intitulado de "A GENTE VAI VIVER DE QUÊ?", para lhe explicar melhor a minha perspectiva (em resposta ao comentário que deixou, dirigido à minha pessoa).
Quanto a este seu post, não poderia de concordar mais com ele. Honestamente a educação é fundamental para nos transformarmos num país melhor.
Cumprimentos
Enviar um comentário