À medida que se cumpre o calendário de
exames, este ano mais leve sem os exames obrigatórios de 4º e 6º ano, vão
chegando as férias escolares, começando pelos mais novos.
Depois de um trabalho que alguns
acham leve e outros, como eu, acreditam bem pesado, cerca de dez semanas sem
aulas aguardam os alunos. A duração das férias escolares de Verão entre
nós está dentro do que em termos médios se verifica nos países europeus, embora
para muitos alunos o tempo de estadia na escola seja uma enormidade, pois entre
actividades curriculares, actividades de extensão curricular e a utilização de
um dispositivo chamado de Componente de Apoio à Família, existem crianças e
adolescentes que passam mais de 50 horas por semana na escola. É obra, pelo que
são totalmente merecedores de férias.
Para além da maior ou menor
satisfação com os resultados escolares, as férias trazem um problema sério a
milhares de famílias: o que fazer com os mais novos enquanto não chegam as suas
férias ou as aulas?
De há uns anos para cá tem
emergido o que se pode chamar de nicho de mercado, sempre o espírito
empreendedor e atento do mercado, que vem ao encontro desta necessidade. A esta
oferta emergente deve juntar-se a que existe ligada, por exemplo, a
instituições de solidariedade social, a autarquias ou a associações de pais que
assumem um papel relevante num contexto de devastadoras dificuldades para as
famílias. Esta oferta global é importante, ainda que para muitas crianças, em
particular nos tempos difíceis que vamos vivendo, permaneça inacessível por
razões de natureza económica apesar de alguma oferta mais
"acessível".
No entanto, o olhar para o que é
fortemente divulgado, uma gama sem fim de possibilidades, não deixa de sugerir
alguma reflexão.
Temos as oficinas, os ateliers,
os playcenters, os workshops, os espaços lúdicos, etc. destinados à música, do
jazz à clássica, à dança ou à literatura, contos e histórias, às actividades
expressivas, plásticas ou artísticas, a designação também varia, em toda a sua
gama e diversidade. Temos a filosofia para crianças destinada, eventualmente,
aos mais reflexivos. Temos as actividades desportivas, várias modalidades,
indoor ou de ar livre em diferentes versões e natureza, quintas pedagógicas,
contacto com animais e espaços de aventura, campos de férias, praia ou campo,
naturalmente, etc.
As referências poderiam continuar
dada a criatividade e capacidade de inovação dos proponentes disponibilizando,
enfim, uma oferta para todas as bolsas, ou quase.
Sei bem que neste universo
existem iniciativas de excelente qualidade, no entanto, creio que devemos
adoptar uma atitude de alguma cautela. Instalou-se um pouco a convicção de que
é fundamental para o desenvolvimento e bem-estar das crianças a sua
participação em inúmeras actividades, todas imprescindíveis à excelência,
porque os miúdos devem ser educados para ser excelentes.
Entende-se, muitos pais o
afirmam, que a realização de todas, mesmo todas, estas actividades é imprescindível
aos miúdos, pois promove níveis fantásticos de desenvolvimento intelectual e da
linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade,
interacção social, autonomia e certamente de mais alguns aspectos que agora não
recordo.
Este entendimento, que por vezes
já se verifica em tempo de aulas, cria o que costumo designar por "criança
agenda", isto é, a criança que está sempre envolvida em qualquer
actividade, a quase todas as horas.
Os pais, alguns pais, seduzidos
pela sofisticação desta oferta, pressionados pelos estilos de vida que não
conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para
os filhos, aceitam, por vezes para não ser injusto, que os miúdos sejam
fechados dentro destes “espaços de liberdade”, comprando, assim, mais um
serviço educativo.
Não esqueço, sublinho, que nestas
iniciativas algo de interessante e importante pode acontecer para as crianças,
também não duvido da seriedade e competência dos responsáveis, mas inquieta-me
um pouco a pressão criada sobre os pais que corre o sério risco de transformar
as férias dos miúdos em algo de cansativo, cheias de "tempos livres"
que de livres muitas vezes têm pouco.
Talvez seja ingenuidade, mas
gosto de pensar que para ajudar nas férias dos miúdos de forma menos
sofisticada, mais aberta, menos exigente em "quantidade de
actividades",
"realização" ou no "desenvolvimento", poderíamos
também recorrer a equipamentos que muitas vezes existem nas comunidades e a
avós que vivem nos lares, sem netos a quem contar histórias e com quem passear,
estimular as relações de vizinhança integrando o acompanhamento das crianças
nas "funções do condomínio" e que rotativamente pode ser assegurada,
etc.
Era bom que as férias fossem,
tanto quanto possível, isso mesmo, férias, tranquilas. Portanto, boas férias.
As férias possíveis.
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