No Público aborda-se a questão
levantada pela decisão do Tribunal de Cascais de entregar a guarda de duas
crianças de 4 e 6 anos ao pai que foi condenado por violência doméstica grave e
repetida exercida sobre a mãe das meninas. Acresce que estes episódios se
passavam algumas vezes com as crianças a assistir.
A decisão do tribunal suscita apreciações diferentes.
Algumas pessoas ouvidas na peça
colocam em causa a bondade da decisão do Tribunal pois as directivas europeias
vão no sentido de que os tribunais levem em conta a violência doméstica na
decisão sobre processos de custódia e visitas aos filhos. Existem também
estudos que associam o testemunho de violência entre os pais ao maior risco de
desenvolvimento posterior de comportamentos de agressão ou de sujeição à
vitimização.
Por outro lado, um especialista não
identificado entende que “Uma condenação
por violência doméstica contra uma companheira não inibe automaticamente o
exercício das responsabilidades parentais”. Acrescenta que “Há que perceber se as relações afectivas das
crianças com o progenitor são superiores ao sofrimento causado por terem
assistido a violência doméstica.”
Um comentário de forma breve.
De uma forma simples podemos
dizer que a acção educativa familiar pode definir-se em torno de duas dimensões
essenciais, educar e cuidar. Curiosamente em língua inglesa encontra-se por vezes referências a "educare" ligando justamente, o educar com o cuidar
Um pai que assume regularmente
violência grave para com a mãe dos seus filhos, condenado judicialmente e
separado entretanto, pode, vamos admitir embora tenha a maior das reservas, ser um cuidador eficiente e satisfazer algumas das necessidades básicas
das crianças.
No entanto, no que respeita ao
envolvimento afectivo e aos cuidados afectivos prestados por um pai que tem
como ferramenta relacional a violência as minhas dúvidas são enormes apesar da
opinião do especialista citado que admite que um individuo que agride
repetidamente e de forma grave a mãe dos filhos à frente destes pode, ao
mesmo tempo, estabelecer vínculos afectivos robustos e positivos com essas
crianças. Será?
Por outro lado, considerando a
segunda dimensão, educar, as reservas são ainda maiores. Educar é o contributo
para a construção pessoal, a comunicação e a relação com os outros de forma
positiva e adequada, é a construção de valores, regras e limites, é o aprender
a ser. Educa-se com o que se sabe mas, sobretudo, educa-se com o que se é, o
comportamento gera comportamento
Tenho a maior convicção em que as
pessoas são capazes de mudar o seu comportamento e reabilitar-se. Muitas vezes
precisam de tempo e apoio.
O que não consigo entender é como
sem que esse processo de reabilitação seja minimamente garantido se decide entregar
a responsabilidade duas crianças a um agressor comprovado e reincidente.
Costuma dizer-se que in dúbio pro reo mas importa não
esquecer um princípio fundamental, o superior interesse da criança, ou seja, in dubio pro puer (se o tradutor ajudou).
Sem comentários:
Enviar um comentário