Cavaco Silva num dos últimos
exercícios da sua passagem por Belém vetou a adopção de crianças por casais
homossexuais pois, afirma, “Está por demonstrar” em que medida a adopção plena
“promove o bem-estar da criança”. Também legitima a sua decisão através de habilidosas considerações jurídicas
Cavaco Silva pode afirmar o que
entende, parece-me legítimo, não pode é transformar os seus valores e opiniões em ciência.
Algumas notas velhas.
Em primeiro lugar e desde logo
está provado que uma família que goste e cuide da criança cumpre melhor o papel
de cuidador e educador que uma instituição por mais competentes e empenhados
que sejam os seus técnicos. Cavaco Silva deveria saber que Portugal é ainda um
país com alta taxa de crianças em instituições. Talvez fosse boa ideia pensar
no seu bem-estar”.
No que respeita à homoparentalidade
e à falta referida por Cavaco Silva do “amplo debate” recordo uma revisão de
algumas dezenas de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação
Americana de Psicologia que motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não
confirma nenhuma destas preocupações do argumentário contra e que são,
basicamente a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação
sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de comportamento e
também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por exemplo, em
contextos escolares.
Cavaco Silva também e não quer saber
que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as
iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar
crianças".
Também em 2014 a Ordem dos
Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das
investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de
casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao
impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências
parentais". Na mesma linha foi divulgada mais recentemente uma outra
revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não
afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar a Cavaco
Silva que a maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias
heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e
vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador
integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem
múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto
escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas,
pelo contrário, combater a discriminação, sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma
forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a
certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do
tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de
quem delas cuida, pais, mães ou educadores.
Quando as crianças são bem
tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a
crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças terão
dificuldade em resolver é ter por perto adultos, heterossexuais ou
homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam,
etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não
conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não
podem ser confundidos com ciência ou com um discurso de defesa das crianças de
males que estão por provar. Cavaco Silva deveria saber que a decisão do Presidente
da República não deve assentar na ignorância e no preconceito.
Quando se trata do bem-estar dos
mais novos parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que
todos os dias desfilam aos nossos olhos.
Como disse, este texto não é
novo, parte dele já o divulguei como artigo de opinião no Público. Enquanto for
necessário e porque não julgo que mereça alteração, voltarei, insistindo.
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