sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

CARTA AO ANO NOVO

Meu caro Ano Novo,

Em primeiro lugar, em nome da hospitalidade e do bem receber que caracteriza os portugueses é com a maior satisfação que, como de costume, te dou as boas vindas ainda que, devo confessar, tal como no ano passado com alguma apreensão.
O prazo de validade do Ano Velho terminou e chegaste, sejas  bem aparecido. Não te conheço e portanto não sei exactamente a experiência que possuis, mas creio que como todos os novos não será muita, é assim a vida não há volta a dar.
Não te quero assustar mas não vais ter tarefa fácil, antes pelo contrário, e parece-me útil que possas conhecer um pouco da realidade que te espera, pelo menos aqui em Portugal, para que te possas organizar no sentido de fazeres o melhor possível.
Vais encontrar algumas mudanças.
Estamos com um Governo novo ainda no seu início e estamos todos a desejar que as coisas corram bem. Vê lá se podes dar uma ajuda, bem que precisamos. Estranhamente existe um pessoal que parece desejar que tudo corra mal mas vais ter que te habituar, nós portugueses somos gente complicada.
Também é importante saberes que vais chegar mesmo no início de uma campanha eleitoral para a presidência do País. Temos dez candidatos, é obra. É uma campanha esquisita, os dois maiores partidos não apoiam quem queriam apoiar, um, o PSD, porque foi obrigado a apoiar um candidato que não escolheu, o outro, o PS, porque não pode apoiar quem queria porque uma rapaziada lá dentro quis fazer um jeito e lançou um Balão pelo que o PS passou a dizer que não apoia ninguém Vai parecer-te estranho mas, lá está, com o tempo vais perceber que nós somos assim.
Logo de início, é bom que saibas que devido à devastadora situação económica que temos vindo a atravessar fruto do mau trabalho de uma rapaziada que por aí tem andado e dos maus hábitos que adquirimos, alguns de nós é claro, as expectativas sobre ti são, lamento dizê-lo, fracas, muito fracas.
Estás a ver o que te espera, bom mas tu és novo, vais estar “cá para o que der e vier” e eu quero confiar em ti. Sabes, aqui para nós, sou avô do neto mais bonito do mundo, tenho um outro neto a caminho e trabalho no universo dos mais novos pelo que sou obrigado, por eles e em nome deles, a ser optimista, conto contigo.
Em termos genéricos posso dizer-te que, de acordo com os estudos, somos um povo triste, desconfiado e sem grande esperança no futuro, o que também é animador como vês. No entanto, para compensar, gostamos de parecer uns “gajos porreiros” e bem-dispostos e adoramos, como vês por esta carta, dizer mal de nós.
Quem nos governa passa o tempo a dizer que somos o melhor povo do mundo, a gente percebe. Continuamos atordoados com uma carga fiscal pesada como nunca tivemos e … cá vamos, esperando que … pior não fique.
É também muito importante que saibas que temos uma especial inclinação pelo “esquema” ou, como também se diz, “dar um jeitinho”, vais ver a quantidade de jeitinhos que te vão pedir à chegada e a quantidade de “esquemas” a que vais assistir ao longo da tua estadia por cá. Aliás, para além daqueles esquemas a que já nem ligamos, imagina que um antigo Primeiro-ministro esteve preso  e agora aguarda em liberdade o desenvolvimento do processo. Perguntarás porquê e a resposta é …. esquemas.
Um dos maiores, senão o maior grupo económico e financeiro português implodiu com custos brutais que ainda nem estão contabilizados, perguntarás porquê … esquemas claro. Os bancos têm estado a implodir e vão salvando os interesses da gente grande à custa, adivinha, … isso mesmo, da gente pequena.
Uns tipos com altos cargos na administração pública, estão acusados, adivinha? Isso mesmo, esquemas.
Também é importante que saibas que a maioria das vezes destas coisas resulta … nada. Um povo como nosso, com uma fortíssima matriz judaico-cristã, dá um enorme valor ao perdão, serão, pois, perdoados e … seguem os esquemas.
Normalmente, temos um governo que, tal como qualquer outro que temos tido, acha que faz tudo bem e é incompreendido por toda a gente e temos uma oposição que acha que o governo faz tudo mal, mas não percebemos muito bem o que faria se fosse governo, porque quando é governo a situação é mais ou menos a mesma e acabam por, basicamente responder perante um sindicato de interesses dos chamados mercados, independentemente de quem, nós, os elegeu.
Adoramos auto-estradas, rotundas e centros comerciais. Temos três pessoas que se acham os melhores do mundo mas duas emigraram, o Cristiano Ronaldo, também conhecido por "CR7" e o José Mourinho, o "Special one" e o terceiro anda por aí, chama-se Marcelo Rebelo de Sousa sendo mais conhecido por "Professor" que agora é o tal candidato presidencial de que te falei e que o PSD apoia sem querer. Dizem que adivinha o futuro, não vais conseguir surpreendê-lo.
É verdade que existe muita gente com obra grande na ciência e na cultura mas por cá são matérias de pouco relevo, talvez possas fazer alguma coisa. Aliás, boa parte deles está também a abandonar o país, não vislumbram por cá um futuro que os segure.
Vais ficar surpreendido com algumas figuras que conhecerás ao longo da tua estadia. Não te falo de ninguém, será mais interessante que vás conhecendo essas figuras e vamos falando.
No entanto, meu caro Ano Novo, se estiveres atento, vais perceber que somos um país de poetas que, como sabes, são uns fingidores. Por isso, deves ter reparado que à tua chegada encontraste o povo aos pulos e com ar de contente a olhar para o fogo-de-artifício, uma das nossas paixões, apesar da situação que te descrevi sinteticamente.
Renovo os votos de boas vindas e de bom trabalho. Se precisares de alguma coisa, estás à vontade, dispõe.
Um abraço deste velho que sempre espera que o Ano Novo venha melhor.

Zé Morgado, 1 de Janeiro de 2016

Sem comentários: