sexta-feira, 5 de março de 2010

QUE SE MULTEM OS PAIS

Deixem que comece com uma pequena história real. Um rapaz da minha geração, meu colega de primária, que se ficou pelo escolaridade básica, aqui há uns anos e quando nos cruzámos no café à hora da bica, desabafou qualquer coisa como “lá me chamaram outra vez à escola por causa dos miúdos, disseram-me que tinha que resolver o problema porque eles já não sabem o que fazer”. Em seguida acrescentou, “Zé, já não sei o que lhes fazer, mais porrada já não sou capaz, só se os matar, eles que estudaram para professores não sabem o que fazer, eu também não”.
Esta história vem a propósito da ideia hoje defendida pelo presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, o eterno Dr. Albino Almeida, de que os pais dos alunos “difíceis” deveriam ser responsabilizados pelos comportamentos dos seus filhos e quando fossem ineficazes, (não se sabe se por negligência ou por incompetência), poderiam até ver cortados os apoios sociais. O Dr. Albino diz ainda que é preciso “dar sinais” de que não há tolerância face à indisciplina. Acho muito interessante esta ideia e aqui ficam umas notas telegráficas e, certamente, discutíveis.
Começo por registar o pormenor da rápida associação dos miúdos indisciplinados a pais que recebem apoios sociais. Gosto também da ideia tão portuguesa de “dar sinais”, toda a gente defende que se diga ou faça alguma coisa para dar um sinal de … seja o que for. Bem vemos os sinais que nos são dados. A ideia da tolerância zero à indisciplina é certamente realista porque vivemos numa sociedade tranquila com lideranças e estilos de vida que são um modelo de civismo e bom relacionamento social. Só mesmo os filhos dos pobres para estragarem o paraíso em que vivemos.
Haverá certamente pais negligentes, tal como professores ou elementos de um qualquer grupo social ou profissional, mas a maioria dos pais, pobres ou não, cujos filhos criam problemas têm a maior dificuldade em lidar e resolver a questão. Se fosse fácil, num estabelecimento de educação onde todos os dias se cruzam dezenas de licenciados, mestres e doutores na área da educação, certamente se resolveria qualquer problema.
Como dizem os africanos “para fazer uma casa bastam 4 homens, para educar uma criança é preciso uma aldeia”. Respeitando cada papel, a responsabilidade é de todos, veja-se o caso trágico e recente da criança de Mirandela. Não estou a dizer com isto que os professores devem “resolver”, estou a dizer que muitos pais que conheço com crianças difíceis, SOZINHOS, não são capazes de resolver os problemas mesmo que lhes tirem os subsídios, (os que tiverem). O problema é que nas mais das vezes, os miúdos andam sós, abandonados e perdidos, os pais perdidos se sentem e os professores também se sentem perdidos com a imensidade de problemas com que lidam pela "simples" razão de que a maior parte do tempo os miúdos se encontram na escola, mesmo que não seja nas aulas.
A questão passa pelo entendimento da necessidade de recursos ajustados e suficientes, por modelos de organização mais eficazes, de respostas comunitárias, exteriores à escola que enquadrem os miúdos e complementem a escola, etc.
No fim, face a um pai comprovadamente negligente, então retire-se-lhe a guarda do miúdo, porque não passará a pai competente só porque lhe tiram um qualquer apoio social.
De qualquer forma esta ideia do Dr. Albino Almeida é uma ideia que muitas pessoas, lamentavelmente, aplaudirão. Os filhos dos outros são sempre o problema.

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